Rejeitando o compromisso com as conclusões, o terceiro colóquio sobre a identidade macaense deixou no último fim de semana pistas mais claras e consensuais. A relevância da comunidade, senão mesmo a sua sobrevivência, passa pelo domínio das línguas e pela competência profissional. A afirmação da identidade, afinal, acompanha a dinâmica da própria cidade, hoje em dia mais chinesa, mas também comprometida com a lusofonia.
Mantém-se a linha que separa macaístas e macaenses. De um lado, a comunidade étnica, de sangue e de cultura mista; do outro, o cidadão, nado ou vivido, que sente Macau na pele mas não tem veia dupla. A divisão, polémica, é por exemplo criticada por portugueses que se sentem da terra, mas marca de forma indelével o sentimento de uma comunidade pressionada pela transferência de soberania.
“De facto, nunca tenhamos refletido sobre essa realidade, afinal, tão evidente. E foi um jovem que nos pôs a pensar nisso”, comenta Anabela Ritchie, elogiando o colóquio, pela “oportunidade de nos conhecermos a todos melhor e, sobretudo, de nos ouvirmos”, explica a ex-presidente da Assembleia Legislativa, encantada com o formato adotado este ano, em que os jovens lançaram os temas a partir do palco e os mais velhos intervieram a partir da plateia. Sérgio Perez, jovem com estatuto de adulto, destaca a importância do colóquio, “porque desperta a atenção dos Media e releva o papel de uma comunidade, por vezes esquecida, mesmo numa altura em que tanto se fala na diversificação económica e no papel de Macau como plataforma para os países de língua portuguesa”.
Feliz com a organização está Miguel Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, que promete continuar com estes colóquios, a um ritmo anual. “Tem sido extremamente positivo. Mesmo que não se tirem grandes conclusões, porque a questão é controversa, o importante é pôr as pessoas a pensar e questionarem o paradigma. Este ano, a novidade formal foi um inquérito que, não tendo a pretensão de ser científico, “é uma análise válida e mostra claramente tendências, não só em Macau como também na diáspora”, comenta atreve a concluir”, remata. O elefante mais
escondido na sala, para usar um ditado português, é a inclinação do macaísta para a sua costela chinesa.
“Não sei se a balança cai para o lado chinês” ressalva Anabela Ritchie, tradicional defensora do ensino da língua portuguesa, “porque é estrutural na maneira de ser macaense”. A verdade, confessa, é que, “nos últimos dez anos”, tem sentido “que se vai perdendo o português nas gerações mais novas”.
A força do chinês
portuguesa é dominante na terceira idade, mas vai perdendo força entre os jovens. A propósito, Sérgio Perez propõe uma reflexão sobre os currículos, por exemplo, da Escola Portuguesa: “Temos uma escola de referência e premiada; mas será que os miúdos estão preparados para integrar o mercado de trabalho em Macau? Se a nova geração dos macaenses perde o português é porque os pais procuram garantir-lhes o futuro nas melhores escolas da cidade, com ensino veicular em língua chinesa”. Ou seja, do ponto de vista prático, há menos interesse em investir na diferenciação pela via do português em instituições de ensino que não garantam o domínio, prioritário, da língua chinesa. Questão, aliás, que hoje se coloca não só à comunidade macaísta, mas aos macaenses em geral e à comunidade portuguesa, alerta Sérgio Perez, bem impressionado por ter visto na audiência do colóquio, não só macaístas, mas também chineses e portugueses. “Se todos mostram interesse pela comunidade e pela sua cultura, é provável que haja potencial e valor para que esta cultura continue a existir, sendo mais divulgada, desenvolvida e aproveitada”, conclui.
“O Sérgio tem toda a razão”, dispara Anabela Ritchie, informada da tese de que o problema hoje coloca-se à comunidade macaense em geral, incluindo os portugueses “expatriados”, na linguagem
mais separatista. “O domínio das línguas é fundamental. E não é só o bilinguismo, porque hoje temos de falar cantonense, português, inglês e mandarim”. Se não for “essencial”, ou mandatório para a afirmação da identidade, “é pelo menos o desejável”. Afinal, hoje em dia a questão já não coloca exclusivamente ao nível da identidade, mas também na aquisição de competências essenciais no contexto que se vive em Macau. “No mundo do trabalho, não vão escolher os macaenses por serem macaenses, mas sim por serem bons, competentes, e pelas capacidades que tiverem de comunicar diretamente com os decisores”. Ou seja, o estudo da línguas é um pilar da aquisição de competências em, Macau: “Quem é que quer falar com alguém através de um tradutor. Só de for uma sumidade, cujo contato seja indispensável”, remata.
Adaptabilidade
“Macau mudou muito e o macaense vai ter de se adaptar”, resume Miguel Senna Fernandes, confiante na “capacidade de adaptação” e no “pragmatismo” da comunidade, “em face dos novos desafios. Entre as várias “pistas interessantes” deixadas pelo inquérito, a língua continua a ser a questão central. “Já foi nos primeiros colóquios, e vai continuar a ser nos seguintes”, prevê Senna Fernandes. A questão da língua vem sempre à baila e é uma constante preocupação associar a língua à identidade”.
Os dados recolhidos mostram que o macaense (macaísta) continua a ser tendencialmente trilingue; ou seja, fala chinês, português e inglês, embora seja claro “o declínio do português nas camadas mais jovens”. Por isso, e na mesma senda de Anabela Ritchie e de Sérgio Perez, Miguel Senna Fernandes conclui que a aprendizagem da língua portuguesa tem de ser assumida como uma mais’valia pessoal e um instrumento identitário, mas não como a língua prioritária para o mercado de trabalho. Ou seja, abrindo a porta à aposta no português como segunda língua. “Agora tudo depende das famílias, da sociedade civil, das associações, mas também do governo”, alerta, “para que essa reversão se faça”.
Anabela Ritchie considera que a missão atribuída a Maca se ser plataforma entre a China e os países de língua portuguesa “ajuda muito, porque para além das oportunidades que se abrem aos macaenses, localmente, elas são agora estendidas a um mundo globalizado, nomeadamente na China e nos países lusófonos”. Nesse sentido, “é uma enorme janela de oportunidade”, conclui. Senna Fernandes concorda, mas lembra que há limites: “É útil e importante, em termos de discurso, mas no mundo prático será que o português não tem a importancia do chinês? As pessoas pesam os pratos na balança e a resposta é não. E nós sabemos que há muito trabalho complementar a fazer”, nomeadamente por parte do governo. “Temos uma escola portuguesa em que a língua veicular é o português. Será que chega? Há que aceitar a realidade e investir mais no português como língua estrangeira, para dar mais uma opção para a comunidade. Sem rodeios e sem complexos” .
Paulo Rego
11 de Dezembro 2015