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Uma faixa, duas Europas

Bruxelas e Pequim poderão ou não encontrar terreno comum para projetos de cofinanciamento das novas rotas da seda, diz Agatha Kratz, do think-tank do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Dentro de dois anos, Sérvia e Hungria estarão ligadas por uma linha de alta velocidade construída com capitais chineses e por uma empresa chinesa. O China Railway Group lidera a empreitada, com 85 por cento do projeto avaliado em 10 mil milhões de yuan, onde a Hungarian State Railways tem uma participação minoritária. O financiamento partirá de um fundo de investimento comum, suportado por instituições financeiras chinesas: ICBC e Exim Bank.

O projeto foi concebido no seio do fórum que une Pequim e 16 países do centro e leste da Europa, reunido no passado fim- de-semana em Suzhou, e está no catálogo dos investimentos que têm vindo a ser marcados como integrando o projeto ‘Uma Faixa, Uma Rota’.

Como estes, acarreta um dilema para a as instituições europeias, numa altura em que a China se prepara para integrar o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento e para se aliar aos planos de Bruxelas para investimento em infraestruturas. A questão está em saber até que ponto China e União Europeia se encontram quando estão em causa regras de contratação pública e o objectivo concorrencial de fomentarem o crescimento das respectivas economias. “Há condicionalidade na atitude da China. Na cimeira 16+1 da passada semana, Li Keqiang [o primeiro-ministro chinês] disse efetivamente que a China está disposta a investir na Europa se a Europa estiver disposta a usar os materiais e as empresas chinesas, o que é algo terrível de se dizer. Vai contra as regras da União Europeia de haver processos abertos e justos de adjudicação”, afirma Agatha Kratz, editora da publicação China Analysis do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla inglesa).

A publicação do think-tank europeu tem vindo a analisar a iniciativa das novas rotas da seda chinesas sob o ponto de vista de Bruxelas e dos diferentes membros da União Europeia, admitindo que da parte dos futuros parceiros de Pequim há renitência na associação ao projeto e respectivas condições de financiamento.

Frente a uma enorme variedade de mecanismos de financiamento chineses – Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, Fundo da Rota da Seda, novo fundo de desenvolvimento dos BRIC, e fundo para os países do centro e leste europeu – a Europa mantém o seu próprio plano de investimento em infraestruturas, mais conhecido pelo nome do atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Representa um compromisso financeiro de 315 mil milhões de euros. A China, que no fim do mês adere ao Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, entrará com entre cinco a dez mil milhões de euros para cofinanciar projetos.

“Teremos de ver o que vai acontecer na Europa. Com o Fundo Europeu de Investimentos Estratégicos, a ideia é reanimar e apoiar a economia europeia. Isso não acontece apenas tendo novas estradas, é preciso construi-las também e ter pessoas

a trabalhar nelas”, afirma a investigadora. Mas não há apenas uma Europa. E é no centro-leste europeu que a China tem encontrado o terreno que é necessário para testar a sua entrada europeia, e que é estratégico do ponto de vista do desenvolvimento de um corredor auxiliar do comércio, ligando a Ásia à Europa. “A Europa central é o terreno intermédio”, nota Kratz.

Anualmente, a China mantém um diálogo de alto nível com os parceiros do leste europeu, na exata mesma regularidade com que se encontra com os chefes de Estado da União Europeia. E, com todos eles, mantém encontros bilaterais.

“A China criou o fórum 16+1 porque este identifica, provavelmente, necessidades diferentes, mas também porque visa países mais pequenos, com laços mais fracos com a União Europeia, e mais disponíveis para estarem perto da China apesar das políticas comunitárias”, nota Kratz.

Para a investigadora, “é uma forma de afunilar as políticas e talvez também de criar um sentimento de pertença mais próximo da China do que da União Europeia”.

No caso húngaro, a modernização da linha ferroviária irá permitir uma travessia mais rápida às mercadorias chinesas despachadas a partir do porto de Piraeus, na Grécia, parcialmente gerido pela estatal chinesa Cosco. O trajeto é visto como estando na confluência da faixa e da rota chinesas, que percorrerão interesses estratégicos do país ao longo do centro asiático, por um lado, e ao longo do sudeste asiático, por outro.

Mas a etiqueta histórica das rotas da seda, recuperada pelo Presidente Xi Jinping, tem acolhido um pouco por todo o lado aquilo que pode ser classificado como envolvimento externo chinês em financiamento de projectos de infraestruturas. Inclusivamente, na América Latina, com o projecto de uma linha ferroviária a ligar Brasil e Peru.

“Há muitos objectivos nas novas rotas da seda, a maioria dos quais se traduz em dificuldades económicas domésticas que podem ser convertidas em oportunidades no exterior. Mas é também um meio de fortalecer, modificar e melhorar as relações da China com os seus vizinhos diretamente, e depois com o resto do mundo”, nota Kratz, para quem Pequim responde assim aos apelos de maior envolvimento internacional com uma solução económica, que também faz sentido do ponto de vista interno.

“A economia do projeto Uma Faixa, Uma Rota é bastante clara: fazer enormes investimentos fora das fronteiras da China e fomentar o desenvolvimento económico ao longo da Ásia. E, naturalmente, ajudar as empresas chinesas a crescerem e terem novos mercados no sector da construção, mas também finalmente nos bens de consumo, ao permitir mais comércio”, resume a editora do China Analysis.

Riscos e dilemas 

No entanto, do ponto de vista do reequilíbrio da economia doméstica, há potenciais riscos consideráveis para o país. Agatha Kratz identifica três. Primeiro, o financiamento poderá dirigir-se a projetos não viáveis, pesando nesse caso sobre as companhias envolvidas e também sobre as instituições credoras chinesas. Depois, os sectores excedentários da economia chinesa, as indústrias pesadas, serão mantidas à tona por um período mais longo mesmo que não sejam consideradas eficazes do ponto de vista económico.

“Há o risco de a China não reformar as empresas estatais porque as está a envolver no projeto, o que será estranho. Há três anos, ou mais, que a China diz que quer reformar estas empresas, sobretudo as dos sectores envolvidos na construção de infraestruturas. De certa forma, estará a lidar com o excesso de capacidade instalada no país, mas a manter estas empresas vivas exatamente através das mesmas vias que usou no passado: financiamento público às suas atividades”, aponta Agatha Kratz. Para a investigadora, a opção “é perigosa e apenas adia reformas que deviam estar a ser feitas neste momento”. “A China está também a usar recursos públicos para o fazer, em vez de os aplicar em algo diferente, como investimento em tecnologia ambiental ou inovação, que permitiriam reequilibrar a economia”, defende.

O terceiro risco potencial está na segurança dos investimentos, que são acolhidos por países como o Paquistão, para o qual a China desenhou um plano de investimento no valor de 46 mil milhões de dólares norte- americanos, e outros do centro asiático. “A China está perante um dilema. O que fazer quando algo corre mal? Deve intervir mais? Estar mais presente do terreno?”, expõe a académica.

Para Agatha Kratz, os riscos elevados desta estratégia devem ser avaliados pelos investidores. Sejam eles os políticos do país que decidem a canalização de verbas públicas para os bancos de política estatal, sejam eles investidores institucionais que procuram rendibilidades maiores, ou mais diversas, na aplicação de reservas e outros fundos, como pensões.

“Na Europa, quando falamos de investimentos em infraestruturas falamos dos fundos de pensões que nelas podem investir. Faz sentido. São infraestruturas bastante seguras. Sabe-se que o retorno será baixo, mas que haverá retorno. Mas no caso da China trata-se efetivamente de um baixo retorno combinado com o alto risco dos países destinatários dos projetos”, diferencia a investigadora.

Trata-se, diz Kratz, de “uma aposta perigosa”, apenas compreensível face à necessidade de diversificar investimentos no quadro de uma China Continental onde existem fortes restrições à saída de capitais. “Poderá ser uma forma de construir resistência ao stress dentro do projeto ‘Uma Faixa, Uma Rota.’”, admite também, lembrando as garantias estatais implícitas que poderão mobilizar a confiança dos investidores privados.

Em todo o caso, qualquer fracasso será público e partilhado pelo país. “Se os governos, locais ou central, assumirem risco e enfrentarem perdas, acontece o mesmo. O dinheiro dos governos é o dinheiro das pessoas. Perder significa gastar menos dinheiro com elas ou aumentar impostos, por exemplo”, lembra a investigadora.

MaRia Caetano 

4 DE DEZEMBRO 2015

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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