Em meados deste mês, no encerramento da sessão anual da Assembleia Nacional Popular (ANP), o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, advertiu que os próximos tempos de “reformas dolorosas” podem ser comparados a “uma faca espetada na própria carne”. Descontada a habitual retórica chinesa, o país vai ter que viver com o que regime chama a “Nova Normalidade”: acabou o crescimento económico acima dos dois dígitos.
E a desaceleração económica para os atuais sete por cento comporta riscos políticos, na opinião de Anthony Ross, diretor interino do Centro de Estudos Chineses da Universidade de Stelenbosch, na África do Sul.
Plataforma Macau (PM): – Escreveu que a liderança do Partido Comunista Chinês tem sido legitimada pelo crescimento económico. Mas agora que acabou a era dos dois dígitos, o que se pçode prever para o futuro político do país?
Anthony Ross (AR): – Tudo depende como o governo vai gerir a inevitável queda no crescimento económico. Obviamente que els sabiam há algum tempo que a economia iria esvaziar e introduziram várias medidas económicas, como a do aumento dos empréstimos às empresas privadas. No entanto, politicamente, é interessante como as coisas se tornaram crescentemente repressivas.
Numa certa medida, isto pode ser visto como o Partido ter previsto a contração económica e, em antecipação, escolheu um caminho de maior repressão, a qual aumentou nos últimos anos, como um mecanismo de proteção contra a instabilidade. Se o declínio económico conduzir à instabilidade política (apesar de atualmente não haver indicadores que o confirmem), então, este é um caminho óbvio para ser tomado, em termos de proteção do Partido, bem como da estabilidade nacional.
A questão é qual o caminho certo para ser seguido. Como já vimos, com a queda de alguns antigos estados sovíéticos, a não adaptação pode ser fatal; e os tipos de repressão a que assistimos na China sob a liderança de Xi [Jinping, Presidente da RPC] – repressão sobre os media, grupos da sociedade civil, etc – está muito no ADN do ramo conservador do marxismo-leninismo.
Provavelmente, esta repressão funciona quando se impede uma população insatisfeita de manifestar o seu descontentamento. Ms se a insatisfação for geralmente sentida, então as medidas repressivas podem ter efeitos contrários. Portanto, é crucial que, economicamente, as precauções do governo para a “Nova Normalidade” funcionem– ou seja, que sejam uma almofada para proteger uma significativa parte da população dos efeitos negativos do “Novo Normal”.
PM: – Como vê a dramatização da “reformas dolorosas” pelo primeiro-ministro chinês?
AR: Não creio que esse exagero seja necessário – mas uma linguagem tão forte sugere que talvez ele saiba alguma coisa que o resto da população desconheça. No mínimo, significa que o governo antecipa um tempo doloroso que vem aí.