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Livrarias independentes resistem sem dinamização cultural

A sobrevivência das livrarias independentes em Macau continua a ser um desafio marcado pela ausência de medidas que incentivem o consumo cultural. “França tem vales culturais”, exemplifica CK, dono da Júbilo 31 Books. Anson, responsável pela livraria Pinto, recorda que “as livrarias deixaram há muito de ser apenas lugares para vender livros; são plataformas de espaço cultural”

Inês Lei

Não tenho expectativas”, começa por dizer CK, dono da Júbilo 31 Books. O dono de uma das mais populares livrarias independentes de Macau explica ao nosso jornal que a cidade está longe de ter uma política que incentive o consumo cultural, como acontece noutras regiões. Hoje, o espaço cultural “transformou-se numa competição de escrita de propostas”, diz, referindo-se aos apoios concedidos pelo Governo para a criação de eventos recreativos e culturais. O apoio, contudo, não traz mais pessoas a estes espaços. “França tem vales culturais, e Taiwan tem moeda cultural. Esses lugares incluem livrarias nas suas medidas culturais (…) definem instalações e instituições e depois determinam como podem apoiá-las”.

Anson, proprietário da livraria Pinto, sublinha a mesma preocupação: “As livrarias deixaram há muito de ser apenas lugares para vender livros; são plataformas de espaço cultural. No entanto, aproveitar esses espaços para gerar conteúdo cultural e monetizá-los requer recursos, que é precisamente o que as livrarias independentes mais carecem”.

Fundada em 2015, a Júbilo 31 Books nasceu sem grandes ambições comerciais, fruto de um encontro fortuito de entusiastas da leitura. “Na realidade, tudo aconteceu no momento certo”, recorda CK, designer de profissão. “O posicionamento da Júbilo 31 Books sempre foi fluido. A única constante é o seu foco em visuais e imagens. Os livros ilustrados, em sentido lato, representam um vasto espaço que abrange visuais, estética e imagética. Quanto ao nosso público, sempre experimentámos diferentes abordagens. Desde o início, não nos dirigimos apenas às crianças, mas também aos adultos”.

Sinto que poderíamos fazer melhor, mas a realidade é que não existem recursos para me apoiar

CK CK, dono da Júbilo 31 Books

A livraria tem vivido numa corda bamba. “A atividade da Júbilo 31 Books sempre foi um exercício de equilíbrio. Inicialmente, dependíamos de encomendas em grande escala para nos sustentarmos, sendo as vendas a retalho relativamente baixas antes da pandemia. Depois, dois fatores entraram em jogo: primeiro, a sociedade fervilhava com discussões e muitos eventos políticos estavam a acontecer; segundo, as pessoas estavam retidas em Macau devido à pandemia. As encomendas caíram imediatamente devido à recessão económica, mas as vendas a retalho equilibraram a situação. Portanto, tem sido sempre um vaivém”.

Apesar disso, o maior desafio continua a ser a sustentabilidade. “Se a renda fosse cara, mas as margens de lucro do que vendemos fossem suficientemente altas, conseguiríamos cobrir os custos. Mas o problema é que ninguém compra livros”, admite CK com um sorriso amargo.

Pandemia, turismo e concorrência online

Na Pinto, Anson destaca que os melhores anos foram os primeiros cinco após a fundação e que a pandemia trouxe também um aumento inesperado no fluxo de clientes. “Durante esses dois anos de Covid-19, não fomos apenas nós – todas as atividades culturais estavam em alta: teatros, espetáculos, concertos estavam todos cheios”. Mas esse fôlego esgotou-se com a reabertura das fronteiras. “Os fins de semana costumavam significar vendas significativamente mais altas, mas agora não há diferença – é quase o mesmo que nos dias de semana”.

O crescimento das livrarias online foi outro ponto de viragem. “Para os amantes de livros, é praticamente o paraíso. Além disso, a Books.com.tw permite a recolha em lojas de conveniência, o que foi uma mudança radical para a indústria livreira de Macau. Não foi apenas Macau; Hong Kong também foi afetado. Eles (Books.com.tw) oferecem a seleção mais recente e mais ampla. Até as livrarias físicas em Taiwan lutam para competir com eles. Podia sentir-se imediatamente a mudança em todo o processo de vendas”.

A minha crença nas livrarias e na leitura na verdade ficou mais forte, e é por isso que estou disposto a continuar

Anson, proprietário da livraria Pinto

Para enfrentar a falta de lucro, a Júbilo 31 Books optou por se agarrar aos ideais, organizando atividades não lucrativas: oficinas, exposições de livros, colaborações fotográficas com grupos artísticos e ‘workshops’ de publicações. “Já que não estamos a ganhar dinheiro e não sabemos como, porque não fazer coisas de que gosto?” diz CK.

Ainda assim, o panorama cultural local pesa. “Não temos sequer discussões sobre cultura – como podemos falar sobre leitura?”, questiona CK. Para Anson, os hábitos mudaram, mas não desapareceram: “As pessoas olham para imagens todos os dias e comunicam em plataformas sociais. A frequência e o uso podem até ser mais elevados do que nunca na história”.

Apesar das dificuldades, ambos continuam fiéis ao propósito. “A minha crença nas livrarias e na leitura na verdade ficou mais forte, e é por isso que estou disposto a continuar”, afirma Anson, convicto de que as publicações impressas mantêm valor. CK resume a ambição em “procurar mudança em meio à estabilidade”, continuando a experimentar novos canais culturais e artísticos.

O futuro, porém, é uma luta permanente. “Sinto que poderíamos fazer melhor, mas a realidade é que não existem recursos para me apoiar”, conclui Anson.

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