
Especialistas ouvidos pelo DV receiam que deliberação da autoridade nacional de segurança, tal como é conhecida, afete o desenvolvimento do país. Governo e Anacom em silêncio. Belém observa, mas não comenta.
Portugal arrisca ficar com comunicações mais caras e de menor qualidade, atrasar-se nas metas do 5G e acionar um travão no desenvolvimento tecnológico, se não for revelada uma posição mais detalhada sobre a deliberação do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço (CSSC), cuja versão pública permite antever a exclusão da Huawei das redes 5G nacionais. Esta leitura depreende-se dos comentários de diferentes especialistas ao Dinheiro Vivo (DV).
“Com certeza que esta deliberação tem impactos sobre a sociedade em si. Nem estou a falar do aspeto geopolítico. Isto vai afetar a forma como está a ser feito o roll-out [desenvolvimento] do 5G e vai afetar o desenvolvimento do país, não tenho qualquer dúvida sobre esta frase”, afirma o professor e investigador da Universidade de Aveiro na área das telecomunicações, Rui Aguiar, realçando que leu com “perplexidade” a versão pública da deliberação da CSSC. O professor, contudo, nota a dificuldade de falar sobre um tema complexo face a ausência de detalhes que permitam perceber a base da deliberação.
O CSSC deliberou a 23 de maio a exclusão das redes 5G de quaisquer empresas com sede em países que não pertençam à União Europeia (UE), à NATO ou à OCDE, o que tem sido visto como um veto à Huawei.
“Com o que é público posso interpretar tudo. O que é que isto significa em concreto? Interpretando à letra, esperava que amanhã o Tik Tok, que está nos telemóveis de todas as pessoas e que pode passar dados à China, seguindo a lógica daquele documento, fosse proibido – e não estou a dizer que acredito nisto. Presumo que há detalhes na forma como aquelas frases têm de ser entendidas que ainda não são públicos”, argumenta.
O que é possível prever perante o que é conhecido? Sem questionar “a bondade da lógica”, mas desconhecendo “consistência da mesma” e “à falta de detalhes para perceber o que está em jogo”, Rui Aguiar explica: “A Ericsson, a Huawei e a Nokia são os três grandes fornecedores nas comunicações – também há outros mas são bastante mais pequenos. No fundo, temos um tripólio. Em cada país os operadores concorrem para baixar preços de fornecimento. Passar de um tripólio para um duopólio é cortar profundamente a capacidade de negociação – ainda por cima estamos a remover o fabricante que, tendencialmente, tem a melhor relação custo-qualidade. Portanto, os custos para os operadores vão subir”.
O especialista, que já trabalhou para o governo e Anacom para as telecomunicações (lidera hoje o 5GAIner, laboratório dedicado ao 5G e à IA em Aveiro), realça que a qualidade da rede e respetivos serviços depende do custo da implementação. Neste caso a questão passa pela qualidade do 5G no país. “Se reduzimos a competição pelo lado dos fabricantes, o que é que se espera que aconteça? Ou vamos aumentar os preços, ou vamos ter um roll-out mais lento ou vamos reduzir a qualidade”, prossegue o académico.
E o que é que pode acontecer do lado dos consumidores? “Obviamente que, se os preços aumentam, o custo vai ter de se repercutir nalgum lado”, responde, mostrando-se cético sobre a capacidade de Portugal suportar mais do que três grandes operadores retalhistas. E interroga-se: “Os operadores vão ter de fazer negócio em todas as componentes apenas com dois fabricantes e esperamos que os preços [no consumidor] desçam?”.
“Os operadores têm recursos económicos, financeiros, humanos e técnicos de acordo com os planos que desenvolveram. Se são obrigados a mudar esse plano, há implicações bastante grandes”, acrescenta o professor do Técnico.
Questionado sobre o impacto desta medida em matéria de preços, Steffen Hoernig, professor da Nova SBE especialista em telecomunicações, considera estar em causa “uma questão geopolítica”. “Não me parece que [a deliberação] tenha em conta os custos imediatos para o país, mas tem em conta os esperados benefícios de reduzir a possibilidade de espionagem pelo governo chinês, que não se contam em euros. Se fará diferença? Ninguém sabe”, comenta.
Novamente: poderá esta decisão recair sobre os consumidores? “Alguém terá de pagar e não será o governo, presumo”, opina o especialista em economia das telecomunicações.
Outras três fontes conhecedoras dos impactos desta medida, que dada a sensibilidade do tema pediram para não ser identificadas, mencionaram que os operadores terão de cumprir a deliberação entre três a cinco anos, estimando um custo global entre um a dois mil milhões de euros. Sobre esta relação tempo/custo, Luís Correia diz ser “perfeitamente razoável de um ponto de vista tecnológico” e porque os investimentos dos operadores conhecidos “são dessa ordem de grandeza”. Já Rui Aguiar considera que “se alguém pensa que se consegue mudar uma rede em três anos é porque não está preocupada com a qualidade da rede”; sobre os custos diz ser preciso “saber muitos detalhes complicados – que não são conhecidos – para poder comentar”.
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