Início Atualidade Surto enfraquece as perspetivas de verão, mas não mata

Surto enfraquece as perspetivas de verão, mas não mata

Guilherme Rego

Três semanas após se ter aliviado as restrições fronteiriças com a província vizinha de Guangdong, Macau mergulha num surto pandémico. Tanto autoridades como empresas perspetivavam um verão com aumento de visitantes e receitas, mas a realidade agora é outra. Dirigentes associativos e empresários falam sobre o duro golpe na indústria turística, mas dizem que se tudo for resolvido até meados de julho, há possibilidades de retomar as atividades económicas em agosto, rumo à recuperação

A 2 de junho, o prazo de validade dos testes de ácido nucleico para quem vinha de Guangdong passou de 72 horas para sete dias. Autoridades e membros da indústria turística viam neste relaxamento das fronteiras com a província vizinha um bom presságio para as férias de verão, com os primeiros dias do mês a confirmarem essa projeção, registando-se uma média diária de 23 mil visitantes – sensívelmente maior do que aquela verificada no ano de 2021.

Contudo, no domingo passado, Macau decretou estado de prevenção imediata, depois de detetar 12 casos de Covid-19, oito deles assintomáticos, e decidiu avançar para a testagem em massa da população em 48 horas. Naturalmente, procedeu-se também a uma alteração dos requisitos de entrada na cidade, tendo os visitantes do Interior da China de apresentar um teste negativo válido por 48 horas, substituindo os sete dias até então impostos.

Se nos primeiros meses do ano, nomeadamente~janeiro e fevereiro, registou-se um crescimento do número de visitantes a dar entrada em Macau face ao ano passado, a verdade é que desde março que essa tendência se reverteu (ver gráfico nº1). De janeiro a fevereiro entraram cerca de 1.349.935 pessoas em Macau, mais 37 por cento face ao período homólogo de 2021. No entanto, de janeiro a maio, a cidade acolheu apenas 3.084.436 pessoas, menos 314.874 do que em 2021, de acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Significa isto que, até agora, houve uma queda de 9,2 por cento face ao ano passado, muito devido aos surtos de Covid-19 no Interior da China.

Mas surtos a nível local têm provado piorar ainda mais o fluxo turístico. Os dois piores meses do ano passado foram os de agosto e outubro, respetivamente, nos quais Macau também se deparou com casos de Covid-19 a nível interno (ver gráfico nº2).

Verão não está perdido

A suspensão das visitas guiadas para residentes foi um dos primeiros golpes na indústria turística. Ao jornal Macau Daily, o presidente da Associação da Indústria Turística de Macau, Andy Wu, diz que o cancelamento dos “Passeios, gastronomia e estadia para residentes de Macau” será certamente difícil para a indústria. O dirigente afirma que o itinerário turístico local teria seis mil participantes na próxima semana. Além disso, nos “Roteiros para visitas de estudos”, informa que teriam mais de 30.000 estudantes a participar nos mesmos. Já a Associação de Hotéis de Macau, que representa 59 estabelecimentos da região, de quatro e cinco estrelas, admitiu à Lusa que, apesar de apoiar a política de prevenção do Governo, as medidas vieram deitar por terra os planos de recuperação.

Porém, o vice-presidente da associação, Rutger Verschuren, indica que ainda tem alguma esperança em agosto. “Perante a situação atual, podemos dizer adeus a junho e pelo menos a metade de julho, mas temos alguma esperança em agosto”, notou, apontando que “com um surto destes leva pelo menos dois meses para [o setor começar a] recuperar”.

Também o presidente da União das Associações dos Proprietários de Estabelecimentos de Restaurantes e Bebidas de Macau referiu à Lusa que tudo “depende de como o Governo conseguir controlar a transmissão do vírus. Se tudo correr bem, prevejo que para a semana volte tudo ao normal”, disse Chan Chak Mo, realçando esperar que as autoridades criem, “mais tarde, se possível, um plano de auxílio económico”.

Desde quinta-feira que aos restaurantes só é permitido manter as operações de entrega ao domicílio. Don Lao, um dos donos dos restaurantes Voyage Thai Kitchen e Café Voyage, diz ao PLATAFORMA que “a grande fonte de receitas” dos seus restaurantes é o serviço dine-in. “O nosso serviço de entrega ao domicílio não rende tanto”, confessa. O responsável explica que o facto de os funcionários terem de se deslocar para fazer o teste de ácido nucleico também prejudicou o negócio, que ficou com falta de recursos humanos. No Café Voyage, por exemplo, diz que o estabelecimento situado no Edifício Hang Wan Kok só faturou 600 patacas no dia em que se tomou conhecimento do surto – número francamente abaixo do suficiente para aguentar o espaço.

Contactado pelo jornal, o presidente da Associação de Estudo de Economia Política, Samuel Tong, explica que o facto de Macau depender maioritariamente da sua oferta turística faz com que os surtos epidémicos coloquem pressão adicional na economia. No entanto, analisa que o trabalho de prevenção epidémica e coordenação entre as autoridades fronteiriças tem melhorado ao longo do tempo, sendo a mitigação dos surtos mais rápida e eficaz. Se tal se vier a confirmar, acredita que dentro de pouco tempo se possa resumir as atividades planeadas para o verão.

Apoio é bem-vindo, mas não resolve

“Apesar de estarmos no final de junho, ainda há chances para retomar em agosto ou setembro”, aponta Samuel Tong. Sobre o impacto económico deste novo surto, explica que terá sempre consequências no emprego, mas que os pacotes financeiros implementados pelo Governo são uma ajuda importante.

O Governo anunciou no domingo sete medidas de apoio a empresas e residentes de Macau, no valor total de dez mil milhões de patacas (1,2 milhões de euros), sustentadas pela reserva financeira, que vão desde benefícios fiscais a uma moratória por um ano do pagamento de empréstimos bonificados.

“Para já são boas medidas, mas tudo depende do avançar da pandemia. Se persistir e [os turistas] não puderem entrar em Macau, isso pode indicar um problema iminente e recorrente e penso que o Governo deve olhar para a situação”, constatou Chan Chak Mo, também deputado da Assembleia Legislativa.

Synthia Chan, representante da área das convenções e exposições (MICE, na sigla inglesa), um setor “continuamente afetado” pela pandemia, mostrou-se mais cética quanto ao apoio económico anunciado pelo Executivo. “Não ajuda a indústria, pelo que entendi”, salientou a presidente da Associação de Comércio e Exposições de Macau à Lusa. “O setor MICE depende muito dos turistas da China ou de fora para que os eventos tenham sucesso”, diz, frisando que “Macau é um destino muito turístico” e os viajantes MICE são “o topo dos turistas” e aqueles “que estão dispostos a gastar dinheiro”. “Este surto agora, com as restrições fronteiriças – que nós entendemos – não vão possibilitar a recuperação da economia”, completa. “Muitos trabalhadores viajam entre Zhuhai [cidade fronteiriça] e Macau, e não o podendo fazer, têm de ficar em algum lado. Como não têm um apartamento, podem reservar um hotel, mas claro, [agora] não podem utilizar as instalações, porque não está nada aberto”, nota.

Samuel Tong aponta que o Governo foi bastante rápido a apresentar soluções para a população e empresas, dizendo que o mais importante é “manter a confiança das pessoas”. Sobre auxílios específicos para setores económicos mais vulneráveis, defende que é preciso tempo para poder avaliar e decidir da melhor forma, esclarecendo que terá de ser feito “por fases”. Contudo, não deixa de ressalvar que para acelerar a recuperação económica, será sempre necessário o resumo das atividades turísticas, que por agora estão condicionadas pela “volatilidade e incerteza” da pandemia de Covid-19.

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