O Presidente dos EUA, Joe Biden, viajou até à Europa para tentar criar uma frente comum contra a China, mas os aliados reagiram de forma pouco entusiasmada a uma posição mais dura face a Pequim, dizem analistas.
“Biden conseguiu persuadir os aliados para uma postura mais firme frente a Pequim – nomeadamente no que diz respeito às violações dos direitos humanos em relação à minoria uigur em Xinjiang ou aos movimentos pró-democráticos em Hong Kong – mas a linha de condenação termina aí”, disse à Lusa Ana Isabel Xavier, professora de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa.
Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana, concorda com esta perspetiva e sublinhou que, depois da digressão de Biden, “não se pode ter a certeza de que os países europeus vão mudar totalmente a sua posição sobre a China”.
Ainda assim, este analista reconhece que “a mensagem que passou depois da cimeira da NATO é a de que, a Aliança, pela primeira vez, assumiu um tom muito duro com a China, sinalizando-a como uma ameaça à segurança global nos próximos anos”.
Para estes dois investigadores, o ponto de divergência entre os dois lados do Atlântico pode estar na vertente económica, que os europeus não querem ver prejudicada nas suas relações com Pequim.
“Para os Europeus, a China é um parceiro necessário em áreas como o clima que não deve ser confrontado de forma demasiado dura sob pena de se perder a oportunidade de cooperação, mesmo que se trata de um ‘engagement’ pragmático ou oportunista”, explicou Ana Isabel Xavier.
Mas os Estados Unidos não diferenciam a ameaça militar e ideológica da ameaça económica e comercial que Pequim representa.
“O avanço económico chinês e a sua crescente influência no Ocidente é encarado de forma distinta pelos dois lados. Para Biden, Pequim é um rival sistémico e a China o reflexo maior de um choque ideológico entre regimes democráticos e autoritários”, concluiu a professora da Universidade Autónoma de Lisboa.
O que não significa que a Europa também não entenda a China como um perigo vindo de leste, que convém abordar com muito cuidado.
“Até Angela Merkel, que se retira do palco internacional este verão, sinalizou que é importante que se considere a China como uma potencial ameaça, apesar de ter aconselhado cautela”, acrescentou Nuno Gouveia, lembrando que as palavras da chanceler alemã “não são alheias às relações económicas com a Europa”, tendo em conta que, por exemplo, o comércio entre a Alemanha e a China, em 2020, representou cerca de 212 mil milhões de euros.
Eventualmente, destes encontros entre Biden os líderes europeus pode ter nascido uma nova abordagem para o problema que a China constitui para as democracias ocidentais, resumem estes dois analistas.
“O agendamento de reuniões de alto nível com autoridades de Pequim, que Joe Biden anunciou nos últimos dias, pode indiciar uma nova estratégia de competição sustentada, com uma abordagem menos dura e mais paciente, focada na revigoração económica interna e o controlo da pandemia”, explicou Ana Isabel Xavier, referindo que esse diálogo diplomático poderá mesmo culminar numa cimeira bilateral à margem da reunião do G20, em Roma, no próximo mês de outubro.
Por outro lado, diz Nuno Gouveia, militarmente, Biden conseguiu que “os aliados tivessem ‘encomendado’ ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, uma nova estratégia conceptual em relação à China”, para adotar na cimeira do próximo ano da Aliança, em Madrid.
“A NATO ficou mais forte. Sobretudo, ficou mais coesa, depois desta cimeira, depois de anos muito conturbados no seio da Aliança, em particular por causa do desprezo que Donald Trump oferecia aos aliados”, concluiu Nuno Gouveia, para salientar o alívio que a Europa passa a sentir no que diz respeito ao respaldo militar dos EUA perante potenciais inimigos, como a China.
Ana Isabel Xavier concorda e realça que a Aliança ficou “menos turbulenta”, mas também “mais concertada em torno de uma nova e ambiciosa agenda para a segurança e defesa – a iniciativa NATO 2030 – que irá funcionar como um guião para a atualização do Conceito Estratégico de Defesa da NATO, que já remonta a Lisboa e a 2010”.
“Para além disso, Joe Biden não deixou de insistir no objetivo de investimento de 2% em defesa e a Ásia-Pacífico continua a ser a prioridade. Mas há um reforço do nível de ambição para garantir que a NATO permaneça forte militarmente, se torne ainda mais forte politicamente e tenha uma abordagem mais global”, explicou a investigadora, que vê neste ponto mais uma base de alicerce importante de resistência a ameaças externas.