Dificuldades na interpretação pelos serviços de um protocolo interno levaram a Câmara de Lisboa a enviar, desde 2012, informações sobre os promotores de manifestações à embaixada russa, em 27 ocasiões, de acordo com um relatório preliminar divulgado pela autarquia
O município da capital divulgou, na noite de quarta-feira, o relatório preliminar da auditoria solicitada para averiguar os processos de comunicação prévia, depois de conhecida a divulgação de dados de ativistas a embaixadas, nomeadamente, da Rússia, e que gerou críticas em catadupa de várias forças políticas e organizações de defesa dos direitos humanos.
No documento de 47 páginas é possível verificar que à embaixada russa foram comunicadas 27 vezes informações sobre organizadores de manifestações. Já as embaixadas israelita e angolana receberam cada uma informações detalhadas sobre os promotores de protestos em nove ocasiões.
O relatório explicita que em 2012, na sequência da publicação da legislação referente à tramitação de avisos de manifestações, a Câmara de Lisboa elaborou um protocolo para o tratamento destes dados, no qual está patente a necessidade de o município comunicar às embaixadas a ocorrência de manifestações.
Contudo, o “protocolo em questão não é claro relativamente ao teor do que deveria ser comunicado as embaixadas, embora tenha sido interpretado pelos serviços no sentido de que seriam os avisos propriamente ditos, na íntegra, que deveriam ser remetidos”, elucida o documento preliminar.
À semelhança daquilo que já tinha sido explicitado pelo presidente do município, o socialista Fernando Medina, em conferência de imprensa, em 18 de junho, o despacho publicado em 2013 pelo então autarca da capital, António Costa, determinou a comunicação “de imediato” aos promotores que a Câmara de Lisboa apenas facultaria os dados sobre as manifestações ao Ministério da Administração Interna (MAI) e à PSP.
O despacho obrigou à alteração dos protocolos camarários nesta matéria, já que estava “implícita a supressão de envio de um conjunto de informações e comunicações, mormente a embaixadas”, mas, a partir daí, apenas houve “uma alteração das minutas que eram utilizadas nas comunicações com as várias entidades, tendo-se mantido inalterado o elenco de entidades às quais os avisos de manifestação eram comunicados”.
Ou seja, “não foram seguidas as limitações quanto às entidades a quem deveriam ser dirigidos os emails, mantendo-se a tradição de remeter os avisos, na íntegra, para outras entidades sem intervenção necessária no processo, como as embaixadas”.
A Câmara de Lisboa ainda não conseguiu averiguar as razões para a persistência desta prática apesar das alterações introduzidas em 2013, mas acrescentou que a prática se manteve “em vigor de forma relativamente uniforme, e foi aplicada aos vários pedidos de manifestação”.
Em algumas circunstâncias verificou-se que a comunicação sobre as manifestações “foi não só remetida para as embaixadas junto às quais se iria realizar a manifestação, mas também, e essencialmente a partir de 2018, àquelas relacionadas com o objeto da mesma”.
O “Gabinete de Apoio ao Presidente”, referido 11 vezes ao longo do relatório preliminar, é apontado como a entidade responsável no órgão da autarquia pela tramitação destes processos.
Na sequência desta polémica, Fernando Medina vai ser hoje ouvido, às 18:00, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República.