Dia 2 de abril, celebrou-se o “Dia Mundial da Consciencialização do Autismo”, instituído pela ONU. Para as Nações Unidas, “proteger os direitos e interesses de indivíduos com deficiência com base na ´Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência´, que inclui o autismo, é uma parte importante da respetiva missão”. Em Macau, organizações de apoio a pessoas com autismo procuram transformar a sociedade num local mais tolerante e melhorar os serviços do Governo para crianças e adultos autistas.
A Associação de Reabilitação Fu Hong de Macau tem oferecido serviços para pessoas com autismo através de projetos como o “Happy Laundry Social Enterprise”, onde é disponibilizado treino vocacional e oportunidades de emprego aos portadores daquela perturbação do desenvolvimento do sistema nervoso.
Comentando o ambiente atual para esta comunidade em Macau, a diretora da associação, Chau Wai I, refere que atualmente as seis categorias de deficiência em Macau não incluem o autismo, levando a que pessoas com esses sintomas sejam consideradas “portadoras de deficiência mental”, com a designação de “autismo” entre parêntesis. Para pessoas com deficiências intelectuais e autismo este último é ignorado, passando a ser apenas consideradas “portadoras de deficiência intelectual”, o que consequentemente reduz o número de registos de portadores com autismo na cidade. “Por isso é que Macau nunca possui registos precisos sobre esta parte da população”, assinala.
Chau Wai I afirma também que ignorando quaisquer possíveis deficiências intelectuais, as necessidades da população autista são diferentes das do resto dos cidadãos. A diretora cita o exemplo de Leong Ieng Wai, também carinhosamente conhecido por 0.38, um artista autista com leve incapacidade intelectual e beneficiário dos serviços da associação.
“Se a deficiência intelectual for acompanhada por autismo, poderá haver uma capacidade altamente desenvolvida. Cada vez mais temos vindo a descobrir que muitos autistas possuem um talento para o desenho ou outras áreas. Porém, se soubéssemos apenas que ele possuía uma deficiência intelectual, teria sido direcionado para trabalhos de empacotamento tradicionais”, diz.
E lamenta: “As deficiências intelectuais criam necessidades para um serviço específico e o autismo a elas associadas origina outra necessidade distinta. Cabe ao Governo trabalhar neste fator. Estarão a considerar mais variedade de serviços? Parece que não. Resumindo, as deficiências intelectuais inserem os cidadãos apenas nessa categoria, ignorando o respetivo talento”, lamenta.
Chau Wai I salienta também que as pessoas autistas não possuem necessariamente deficiências intelectuais, havendo poucos serviços direcionados para autistas com níveis intelectuais normais ou até extraordinários, os chamados “autistas de alta funcionalidade”. Estes são capazes de trabalhar, mas apresentam dificuldades nos locais de trabalho devido a problemas de interação social. “São pessoas capazes. Conseguem falar connosco, e aparentemente parecem não ter qualquer problema, porém têm bastantes dificuldades durante o trabalho”, esclarece.
A ONU alerta que, com o atual impacto da pandemia na economia mundial, esta injustiça de longa data é cada vez mais visível. Por exemplo, as pessoas com autismo têm sofrido com uma distribuição desigual de riqueza e rendimentos, ambientes de trabalho hostis e toda a situação epidémica piorou ainda mais a respetiva situação de emprego.
Segundo Chau Wai I, muitos dos membros da associação com autismo, apesar de terem completado os estudos, não conseguem trabalhar num ambiente tradicional. Por isso defende que o Governo deve pôr em prática mais medidas, em colaboração com associações sociais, possibilitando que pessoas diferentes possuam mais oportunidades de emprego e consigam desenvolver os respetivos talentos.
Caso contrário, esta parte da população ficará presa em casa, representando uma pressão para os seus cuidadores. “O 0.38, por exemplo, sabe apenas desenhar, mas as obras são imensamente populares. O seu caso é um exemplo para a nossa sociedade e oferece alguma esperança a todos os pais. Não é um caso único, existem mais possibilidades”, adianta
Já Lam Io Fai, diretor da Associação de Autismo de Macau, acredita que a sociedade cada vez compreende mais a população com autismo, mas ainda existe espaço para esse conhecimento crescer. Muitos adultos com autismo acabam por ficar em casa por não serem aceites pela sociedade nem conseguirem encontrar emprego. Várias crianças autistas correm e gritam em locais públicos e muita gente não os compreende, acabando a apontar o dedo e a criticar os pais por uma suposta falta de educação.
“Como resultado, alguns pais podem não ter coragem de levar os filhos a lugares públicos com muita gente, diminuindo ainda mais o contacto social. O maior problema para pessoas com autismo é a socialização com os outros, vivem num mundo fechado, e devido à sua sensibilidade nesta área, podem ser um pouco incómodos. Alguns pais preferem assim reduzir as saídas com os filhos ou limitar o contacto com outras crianças com autismo”, afirma.
Salienta ainda que o tratamento do autismo melhorou imenso, mas devido ao número de indivíduos com esta condição em Macau, existem ainda poucos especialistas na cidade e longas listas de espera. Alguns pais acabam por recorrer a centros de tratamento privados, em vez do público, mas os custos dos mesmos representam um grande fardo para essas famílias.
“Esperamos que o Governo possa oferecer mais serviços com profissionais especializados, caso contrário, se for necessário um longo período de espera entre tratamentos, o resultado poderá não corresponder ao esperado”, indica.
Para a consciencialização da população sobre o autismo, Lam Io Fai lembra que a associação tem ao longo de vários anos organizado atividades de divulgação de informação.
Este mês, por exemplo, a Associação de Autismo de Macau irá convidar Zhou Xiaobing, diretor médico do Centro de Desenvolvimento Infantil do Terceiro Hospital Afiliado da Universidade de Sun Yat-sen, para uma palestra sobre “Coexistência de distúrbios com a neura diversidade, um tipo diferente de autismo”, e organizar a atividade “Light It Up Blue”, com mensagens e informação à comunidade local sobre o autismo. A associação planeou ainda para abril uma série de atividades artísticas.
“Depois de as obras estarem completas, esperamos que em agosto seja possível exibi-las tanto em hotéis como em organismos governamentais, mostrando à população que as crianças autistas também são talentosas e capazes de criar arte”, anuncia.
A diretora da Associação de Reabilitação Fu Hong de Macau afirma que estas atividades artísticas são a forma ideal de oferecer a pessoas com autismo uma oportunidade de exibir os respetivos talentos, mas alerta para a situação criada em diferentes centros de arte que se viram obrigados a cortar os respetivos orçamentos.
A responsável recordou que a associação organizou, em cooperação com o Instituto Cultural de Macau a atividade “Sou Um Pequeno Maestro”, onde se descobriu que muitas crianças com autismo são capazes de distinguir tons e notas de forma perfeita, podendo assim desenvolver esse talento em atividades e serviços relacionados. “As pessoas costumam dizer: ´A descoberta do 0.38 ajudou-vos imenso!´ Mas até descobrirmos o talento do 0.38, quantos talentos se perderam? A descoberta do 0.38 aconteceu por acaso. Mas, com a existência de centros e atividades artísticas para portadores de deficiência, iremos com certeza encontrar estes talentos. Macau precisa de prestar mais atenção às pessoas com autismo. Existe ainda muita ignorância. Devemos também refletir sobre a existência de serviços direcionados a estas pessoas na nossa sociedade”, apela.