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“Sem dignidade humana nas fronteiras”

Romualda Nunes FernandesRomualda Nunes Fernandes*

Este é o título de um dos subtemas tratados no capítulo I, sob o título “AS SOMBRAS DUM MUNDO FECHADO”, da recente encíclica social ‘Fratelli Tutti”l, que Papa Francisco publicou a 4 de outubro do corrente ano, dia em que a Igreja Católica celebra a festa litúrgica de São Francisco. ‘Fratelli Tutti’, é a terceira encíclica do Papa Francisco e é dedicada à “fraternidade” e à “amizade social”, que foi precedida por duas outras encíclicas do atual pontificado: a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé), de 2013e a ‘Laudato Si’, de 2015, sobre a ecologia integral.

O Papa Francisco que tem sido, indubitavelmente a voz que, nos últimos anos, mais se tem empenhado nas questões dos direitos humanos dos migrantes, considera que muitas vezes se esquece “que têm a mesma dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa”.  

A escolha deste título a propósito das recentes informações relativas à morte de um cidadão ucraniano, Ihor Homenyuk que se encontrava à guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF no espaço equiparado a Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, no dia 12 de março de 2020, faz todo o sentido.

Cada vez que ouvirmos o nome Ihor Homenyuk devemos sentir o peso de um país que não soube tratar um ser humano com a dignidade humana exigida em qualquer país democrático e sentir os ombros vergados de vergonha perante esta família

Na ordem jurídica portuguesa é ao SEF que compete vigiar e fiscalizar nos postos de fronteira, incluindo a zona internacional dos portos e aeroportos, a circulação de pessoas, podendo, designadamente, impedir o desembarque de passageiros em situação irregular. Os passageiros, nessas circunstâncias, impedidos de desembarcar são colocados em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, sempre que não seja possível o reembarque imediato.

Atendendo ao princípio constitucional de extensão aos estrangeiros e apátridas dos direitos e deveres concedidos aos cidadãos nacionais plasmado no n.o 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, embora o cidadão estrangeiro que se encontre não admitido ou esteja detido num centro se encontre privado da sua liberdade, são-lhe garantidos os direitos e garantias fundamentais intrínsecas à dignidade da sua pessoa, como preceituam os artigos 40.º e 146.º-A da Lei dos estrangeiros. Estes direitos foram flagrantemente violados no caso Ihor Homenyuk.

É inegável o esforço do Ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita, para um total e cabal descoberta do que efetivamente se passou naquele fatídico dia 12 de março no espaço equiparado a Centro de Instalação Temporária – EECIT do Aeroporto de Lisboa, designadamente,  determinando a abertura de um inquérito por parte da Inspeção Geral da Administração Interna – IGAI; ordenando a abertura de processos disciplinares ao Diretor e Subdiretor de Fronteiras de Lisboa; determinando o fim das comissões de serviço no próprio dia de todos os inspetores envolvidos nos factos relativos na trágica morte de Ihor Homenyuk;  ordenando o encerramento do EECIT para reestruturação bem como a introdução de alterações significativas naquele espaço; introduzindo alterações ao regulamento do EECIT que passa a acolher apenas os cidadãos estrangeiros com recusa de entrada em Portugal, deixando de alojar requerentes de asilo. A conclusão do inquérito da IGAI apontou pela instauração de 12 processos disciplinares e foi remetido ao Ministério Público por despacho, de 7 de outubro, do MAI. O inquérito foi, assim, mais longe do que a acusação do MP,

As circunstâncias da morte Ihor Homenyuk, que volvidos 9 meses, são dadas a conhecer graças ao empenho do jornalismo, português, protagonizado pelas jornalistas Fernanda Câncio e Valentina Marcelino Diário de Notícias e Joana Gorjão Henriques do Público, constitui uma intolerável violação dos direitos humanos, que nos envergonha todas e todos, cidadãos e cidadãs, instituições, associações e protagonistas políticos no país. Nas palavras da viúva durante uma entrevista dada um canal televisivo, arrepia o sofrimento de quem perdeu o pai dos seus filhos, como a tormenta que ainda perdura todas as horas, chorando no silêncio a morte do marido, dado não ter conseguido contar aos filhos a forma como o pai morreu. O sentimento de uma mãe dilacerada a proteger os seus filhos de uma tragédia, que Estado português não conseguiu evitar, em tempo.

Cada vez que ouvirmos o nome Ihor Homenyuk devemos sentir o peso de um país que não soube tratar um ser humano com a dignidade humana exigida em qualquer país democrático e sentir os ombros vergados de vergonha perante esta família. A morte não volta atrás, mas os remorsos estão à nossa frente e só cabe a cada um de nós sentir que podíamos todos ter feito mais, muito mais, e hoje já é tarde!

Mas nunca é tarde, para reforçar as nossas instituições que os direitos humanos são invioláveis, e a missão da sua defesa intransigente ser garantida em cada serviço público, na rua, na vida, e a toda a hora e em todas as circunstâncias, tratar as pessoas migrantes com a “dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião”.

*Deputada do Partido Socialista (PS) – Portugal

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