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Em vias de extinção vaca algarvia é “salva” por projeto de recuperação

Lusa

Vários produtores e entidades do Algarve estão empenhados em recuperar o bovino de raça algarvia, que chegou a ser dada como extinta, e assumem querer passar dos atuais 11 para 150 animais até 2022

Na década de 1950 chegaram a ser mais de 20.000 exemplares, mas a mecanização da agricultura, a introdução de raças exóticas e o progressivo abandono dos campos diminuiu o seu efetivo e a vaca algarvia chegou mesmo a ser dada como extinta.

É na Boca do Rio, em Budens, no concelho de Vila do Bispo, que a agência Lusa encontra oito dos 11 exemplares que estão oficialmente classificados como sendo bovinos de raça algarvia.

Entre as cinco fêmeas há já crias, e mais uma prestes a nascer, nas quais é colocada a esperança de se conseguir restaurar uma linha pura. Além destes, há ainda um casal na Quinta Pedagógica de Silves e um touro na propriedade de criador em Tavira.

Em 2005, num esforço conjunto da Associação de Criadores de Gado do Algarve (ASCAL), da Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve e da Direção-Geral de Veterinária, foi realizado um estudo que permitiu a recuperação de 19 animais.

Tratavam-se de 16 fêmeas e três machos que ainda reuniam as características para fazerem parte de um núcleo inicial para a recuperação da raça, revela Carla Santos, da ASCAL.

A responsável técnica da vaca algarvia adianta que existe atualmente “sémen de quatro machos reprodutores” no Banco Português de Germoplasma Animal, no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), em Santarém, que vão servir de base à recuperação da raça.

Com um tão reduzido número de animais, é “difícil fugir da consanguinidade”, alerta, daí a importância dos embriões e do sémen que se encontra preservado no INIAV, uma vez que vão permitir fazer a gestão da variabilidade genética.

O processo passa agora por uma fase muito técnica, com uma nova recolha de embriões, em 2021, de vacas desta raça, que serão depois colocados em vacas recetoras.

Vão ser também adquiridos “mais 150 animais” para inseminação artificial e realizados “cruzamentos de absorção”, processo que permite diminuir a consanguinidade e aumentar a pureza da raça, explica.

Com origem no mesmo tronco da vaca alentejana, garvonesa e mertolenga, a algarvia distingue-se por uma barbela – pele pendente da parte inferior do pescoço -, mais pequena que a da alentejana, uma cabeça de forma piramidal, pelagem e membros mais curtos, úmero malhado de branco, entre outras características.

Segundo Carla Santos, “são animais dóceis e precoces” na gestação.

Desde 2011 que a ASCAL é responsável pelo Livro Genealógico da Raça Algarvia, estando atualmente a implementar um programa numa parceria com o INIAV e a Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa para conservação de sémen e transferência de embriões.

O objetivo é elaborar o Plano de Ação de Salvaguarda da Raça Bovina Algarvia, de forma a ser assegurada a preservação da raça.

António Figueiras é o presidente da ASCAL e proprietário dos nove animais que habitualmente pastam nas suas terras na Boca do Rio, mas a existência de fêmeas prenhes ou com crias obriga, agora, a algum resguardo.

Precursor deste movimento de recuperação da raça algarvia, o criador congratula-se com o interesse de outros produtores de Tavira, Vila do Bispo e Lagos em avançar: “Vamos andando devagar, mas fazendo para que as coisas avancem”, ressalva.

A abertura de candidaturas para o apoio aos produtores de raças autóctones com um valor atribuído por animal é “uma mais-valia”, no entanto, há uma peça essencial que continua a faltar, conta.

Desde 2007 que o Algarve não tem um matadouro, obrigando os produtores a fazer duas viagens até Beja, no Alentejo, para poderem vender a carne dos seus animais.

“São 600 quilómetros, o que é muito complicado. Assim não dá”, lamenta António Figueiras.

Um projeto da DRAP/Algarve pode alterar este cenário com a aquisição de um matadouro móvel, permitindo que “esta e outras raças algarvias” possam ter a sua carne “certificada”, o que traria uma mais valia aos produtores e um maior interesse na sua recuperação e criação.

“Há vacas parecidas com a vaca algarvia que também têm a sua carne certificada, vendem bem a carne e têm muita saída. Isso é algo que só o futuro dirá”, realça.

A DRAP tem tido um papel essencial neste processo e João Cassinello é um dos técnicos que se mantém ativo na defesa e valorização das raças algarvias, que, no caso da vaca terá de passar pela “valorização da sua carne”, adianta.

“Sendo o Algarve uma região turística, faz sentido valorizar as raças autóctones. A exemplo do que está acontecer noutras zonas do país, será uma oportunidade para o nosso turismo gastronómico” defende.

Estes animais eram essencialmente “de trabalho” em explorações familiares, dos quais se fazia também o aproveitamento da carne, leite e matéria orgânica que “deixavam nas explorações”.

Com a entrada em Portugal de raças mais especializadas na produção de carne e leite e a mecanização da agricultura, as raças “mais rústicas foram sendo substituídas”, ficando reduzidas ao atual número de efetivos.

Para o especialista, esta será a “última oportunidade para se manter esta raça”, havendo um desafio e compromisso com os produtores e os serviços oficiais através do Plano de Ação da Salvaguarda da Raça Bovina Algarvia.

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