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Pemba: Milhares em barcos, à deriva do vento para conseguirem um pedaço de pão

Três a quatro dias no mar, sem comida, nem água, em barcos de madeira carregados com 40 a 70 pessoas. Tem sido esta a provação de milhares de pessoas que fogem da guerra no norte de Moçambique.

Uma nova vaga de deslocados tem chegado a Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, desde sábado.

“Muitos são barcos à vela”, sem motor, explica à Lusa Manuel Nota, diretor em Pemba da organização humanitária católica Cáritas, uma das muitas que oferece o “chá de receção” para mitigar a fome, desidratação e trauma na praia de Paquitequete.

As vagas de deslocados desembarcam ali periodicamente, desde 2017, num pulsar que reflete o agravamento do conflito armado no norte da região rica em gás natural.

Um copo de água quente, um pedaço de pão, um palmo e meio de areia para sentar e respirar fundo, ainda sem vislumbrar um futuro, mas sem medo de morrer.

Além do primeiro amparo, organizações humanitárias, religiosas e outras estão a entregar mais comida, que parece ser sempre pouca para tanta necessidade, relatam, sobretudo em grupos em que há muitas mulheres e crianças.

Dezenas de empresários, maioritariamente de Pemba, juntaram-se para distribuir mil refeições por dia na praia de Paquitequete, diz à Lusa Osman Yacob, empresário e porta-voz da comunidade islâmica.

“Já temos ‘plafond’ para 28 dias” de refeições “servidas com dignidade”, em pratos, com arroz e frango, a um custo de 26 meticais cada (menos de 25 cêntimos de euro).

“Eles chegam em condições desumanas, desidratados e com fome”, refere.

“Às vezes andam de uma ilha para outra, três a quatro dias”, ao sabor do vento, até conseguirem chegar à faixa sul da província, descreve Manuel Nota, enquanto consulta os apontamentos do dia.

Recebeu um telefonema indicando que outros barcos estão a chegar à praia de Mecufi, mais a sul.

Nesta vaga já chegaram às praias de Pemba cerca de 100 barcos com um número de deslocados que anda entre os 4.000 e os 6.000, de acordo com as organizações contactadas pela Lusa.

“Infelizmente este fluxo pode aumentar”, alvitra Osman Yacob, para sublinhar que é preciso mais ajuda, “independentemente da religião ou da cor”, até porque esses nunca foram fatores de divisão em Cabo Delgado.

A Cáritas de Pemba prepara a instalação de latrinas na praia de Paquitequete em colaboração com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), num projeto que prevê a melhoria das condições sanitárias e prevenção da covid-19.

“Todos os dias de manhã há uma limpeza da praia”, descreve, seguindo-se a preparação de refeições.

Quem chega de barco é apoiado à chegada para encontrar família ou amigos que os possam acolher, mas muitos têm ficado ao relento, na praia – sendo depois encaminhados para os campos de deslocados de Metuge, nas imediações de Pemba.

“A praia é um sítio de trânsito”, refere Manuel Nota, que volta aos papéis para mostrar que Pemba está no epicentro da crise humanitária.

Dos cerca de 300.000 deslocados que o conflito de Cabo Delgado já terá provocado, 86.000 estão a ser acolhidos na capital provincial por famílias já de si com fracos recursos, enquanto outros 51.000 estão nos campos de deslocados de Metuge.

A província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, é palco há três anos de ataques armados desencadeados por forças classificadas como terroristas.

Há diferentes estimativas para o número de mortos, que vão de mil a 2.000 vítimas.

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