Os imigrantes com empregos precários começaram cedo a sentir o impacto da pandemia em Portugal, perdendo os trabalhos ou fazendo mais por menos dinheiro e ficando com a casa em risco e dependentes da ajuda alimentar, segundo uma associação.
Nilzete Pacheco, fundadora e diretora da Associação Lusofonia Cultura e Cidadania, uma organização com sede em Lisboa de apoio aos imigrantes, disse à agência Lusa que esta organização não tem tido mãos a medir com os pedidos de ajuda, desde que a covid-19 chegou a Portugal.
Ao todo, esta associação de apoio aos imigrantes já ajudou perto de 400 famílias que, numa primeira fase, ali acorreram para receber os únicos alimentos que consumiam.
“Tinham fome. Muitos não comiam mais nada a não ser os bens alimentares que lhes entregávamos”, disse, referindo-se aos cabazes feitos com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e o Banco Alimentar Contra a Fome.
Segundo Nilzete Pacheco, primeiro chegaram os brasileiros – a maior comunidade imigrante em Portugal – com menos formação académica e trabalhos mais precários.
Assim que o país fechou, “muitos patrões despediram-nos e depois já não os quiseram de volta. Eles vieram com as mãos vazias e sem alternativas”.
Mais tarde, começaram a ir pedir ajuda alimentar os brasileiros com maior formação académica, que chegaram a Portugal mais recentemente, alguns no início deste ano, com o objetivo de “fugirem à incerteza e violência no Brasil”.
Com estes brasileiros, chegaram também os de origem africana que, mais enraizados em Portugal, demonstram mais relutância em pedir ajuda e até alguma vergonha.
Nilzete Pacheco sublinha a entreajuda nestas comunidades que foi fundamental quando começaram a perder tudo, a par do trabalho associativo que, embora a um ritmo menos acelerado, continua a ser muito solicitado.
Esta dirigente associativa refere que, numa primeira fase, estas comunidades se debatiam com a necessidade de arranjar alimentos, mas pouco tempo depois a habitação passou a ser o maior problema.
Isto porque muitos senhorios não hesitaram em aumentar as rendas quando se aperceberam que alguns inquilinos alojavam familiares que tinham perdido a casa.
“Chegaram a aumentar a renda para o dobro de um dia para o outro”, contou Nilzete Pacheco, acrescentando que alguns imigrantes, que não tinham dinheiro para pagar a renda, nem sequer conseguiram que os senhorios aceitassem os meses da caução para compensar as mensalidades em falta.
A nível laboral, a Associação Lusofonia Cultura e Cidadania tem conhecimento de aproveitamentos, nomeadamente de entidades patronais que chantageiam os empregados, ameaçando com o desemprego se não trabalharem mais pelo mesmo dinheiro ou até menos.
“Infelizmente, tem havido aproveitamentos. Por isso, a nossa preocupação nesta fase é com as habitações e também a nível laboral, pois a alimentação é assegurada através da rede alimentar”, disse.
Segundo Nilzete Pacheco, os atrasos nos serviços do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) também está a dificultar a vida a estas comunidades, pois estando ilegais não conseguem arranjar um emprego.
“É um círculo vicioso. Precisam do emprego para ficarem legais, mas precisam de estar legais para arranjar emprego”, disse.
A associação tem agora menos famílias a dependerem da sua ajuda alimentar, mas ainda assim ultrapassa a centena. Ultrapassado o estado de emergência, começaram a surgir alguns empregos, embora a precariedade tenha aumentado.
“Na restauração, por exemplo, há oferta de empregos, mas muitos deles pagos a salários inferiores ao ordenado mínimo nacional”, referiu.
Também nas empresas de limpeza existiu uma redução do horário de trabalho, com natural diminuição da remuneração, mas em alguns casos a única coisa que diminuiu foi o ordenado, disse.