Início Moçambique Equipa protege menores em Moçambique que fogem dos abusos e traumas de guerra

Equipa protege menores em Moçambique que fogem dos abusos e traumas de guerra

Luís Fonseca

Três jovens de mochila e crachá atravessam o centro de acomodação de deslocados de violência armada instalado nos terrenos da escola 3 de Fevereiro em Metuge, Cabo Delgado, norte de Moçambique.

Entre tendas repletas de gente, sorriem com os olhos, porque as máscaras são o novo normal na era covid-19, sentam-se no chão ao lado das tendas e conversam com as mães rodeadas de filhos.

São uma equipa da organização não-governamental (ONG) Save the Children que em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mantém um programa de proteção das crianças – que representam metade dos 250.000 deslocados na província.

“Procurei saber os problemas que a criança está a enfrentar”, refere Clemente Januário ao descrever o diálogo que mantém, em macua, língua local, com uma das deslocadas.

Reuniões como estas decorrem até seis vezes por dia. “Ela explicou que a criança tem problemas de nascença, problemas mentais”, já sinalizados, mas que agora passam a merecer uma atenção especial das organizações humanitárias porque a mãe é hoje “uma deslocada de guerra, que não gosta do sítio onde está. Diz que não come à vontade e não se sente feliz”.

Situações traumáticas em que, quem sofre, pode descarregar nos elementos mais vulneráveis à sua volta, como as crianças, explica Neide Carvalho, especialista em emergência do UNICEF na área de proteção de criança.

“Tem havido informação de alguns casos de abuso, tanto físico, como psicológico”, pois todos “estão a sofrer um trauma e acabam por descarregar no elemento mais vulnerável, a criança”.

E neste caso, trata-se de crianças “deslocadas de guerra”, que sofreram com ataque armados, sendo que o maior trauma que a equipa tem notado é de ordem psicológica.

“Viram suas casas serem queimadas, viram vítimas de abuso físico durante a fuga, ataques, mortes” tudo num duro “processo de deslocação”.

“Muitas dessas crianças tiveram de andar no mato durantes dois a três dias, sem ter nada para comer, com medo de serem atacadas de novo e tiveram de ver os seus pais a terem o seu próprio trauma e medo ao tentarem arranjar forma de os ver seguros”, descreve a especialista.

É por isso que a equipa “está focada no acompanhamento das crianças, vai de tenda em tenda e fala com as famílias, procurando saber mais acerca do bem-estar das crianças, saber se é necessário algo mais”.

Quando identificam algum caso específico, uma questão psicológica ou de saúde é encaminhada para acompanhamento médico e se for uma matéria de abuso é encaminhada para as autoridades.

“Sem covid-19 teríamos espaços amigos da criança”, criados pelo UNICEF nas zonas de deslocados, onde cada criança tem oportunidade de ter duas a três horas de recriação, com divisão por faixa etária”, explica Neide Carvalho.

Trata-se do tipo de espaço em que é muto mais fácil aos ativistas de proteção social “conseguir ver que crianças precisam de acompanhamento” específico.

“Se uma criança estiver tímida entre amigos, algo pode estar a acontecer”, exemplifica Neide Carvalho.

Mais à frente, Olicana Adamo, 23 anos, outra ativista da proteção da criança, está rodeada de jovens e adultos enquanto mantém uma conversa sobre os direitos dos mais novos com um casal que tem uma criança ao colo.

“Falamos da vulnerabilidade da criança e de deficiência física. Estamos a sensibilizar estes avós para que possam tratar bem da criança”, descreve.

Outras vezes, as conversas passam por poupar os menores das ‘fake news’ sobre violência armada, que agravam a situação de angústia e ansiedade.

“Sempre tem havido fofoca acerca dos insurgentes, de que vão entrar hoje [na aldeia], logo, se essa mensagem às crianças, nós abusamos emocionalmente. Temos de estar sempre a controlar a criança para que ela não se sinta mal”, acrescenta.

Neide Carvalho considera que a geração que está a assistir à violência armada em Cabo Delgado, obrigada a fugir e a deixar tudo para trás, vai “precisar de acompanhamento durante mais tempo” do que alguns meses, durante a assistência nas zonas de acomodação, entre tendas – uma avaliação que terá de ser feita “caso a caso”.

Os ataques de grupos armados que desde 2017 aterrorizam Cabo Delgado já fizeram pelo menos mil mortos, entre civis, militares moçambicanos e vários rebeldes.

As Nações Unidas estimam que haja 250.000 pessoas em fuga dos distritos mais afetados, mais de 10% da população da província, que tem cerca de 2,3 milhões de habitantes.

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