O especialista em defesa e segurança, Luís Brás Bernardino, considera que o conflito de Cabinda é “um problema essencialmente africano” e que Portugal não se deve envolver, pois seria difícil manter a neutralidade
A província angolana de Cabinda, um enclave delimitado pela República Democrática do Congo e pelo Oceano Atlântico, é palco de um conflito armado protagonizado pelo movimento independentista FLEC-FAC, que tem, nas últimas semanas, dado conta de vários confrontos com as forças angolanas em zonas fronteiriças e apelou à mediação internacional para encontrar uma solução pacífica.
Os independentistas alegam que o enclave era um protetorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.
Em declarações à Lusa, o professor e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa disse à Lusa que “Portugal está obviamente ligado desde o início a este problema”, mas considera ser difícil manter o que se procura para uma parte terceira que é a neutralidade no processo.
“Não seria fácil, nem aconselhável, intervir como mediador para um diálogo em que eventualmente está demasiado comprometido pela sua ligação histórica a Cabinda e Angola”, salienta o tenente-coronel Luís Brás Bernardino, com obras editadas sobre a questão da defesa e segurança em Angola e é também membro do Observatório Político.
O académico sustenta que neste momento “este é um essencialmente africano” e que seria uma organização como a União Africana, o mediador mais bem posicionais e mais capacitado para intervir, se fosse esta a solução adotada, como pretendem as FLEC.
“Eu olho muito para a questão das fronteiras terrestres e marítimas em África como um problema essencialmente africano e que passa necessariamente por uma resolução africana”, frisou.
Sublinhou ainda que os “incidentes não são novos”, e que a ação das FLEC, que querem autonomizar o território, vai no sentido de colocar a questão de Cabinda numa órbita não só angolana, mas regional.
“Estas ações que são levadas a efeito têm esse objetivo, desestabilizar e dar mais protagonismo e maior visibilidade à questão de Cabinda e assim que possível passar para uma dimensão regional e internacional”, sugeriu.
O diferendo interno “tem levado a uma gestão politico-diplomática da parte de Angola, com acordos mais ou menos camuflados, no sentido de trazer alguma calma à região e não evoluir para o plano regional e internacional”, acrescentou.
Embora as tensões não sejam novas, Luís Bernardino admite que possam de alguma forma agudizar-se e criar alguma tensão regional com a República Democrática do Congo e o Congo, não só pela proximidade das fronteiras, mas porque muitas das pessoas que vivem em Cabinda têm família e relações com estes países.
No entanto, Angola irá tentar “a todo o custo” que este conflito extravase as suas fronteiras.
“Isto é para Angola uma questão interna. Obviamente que as FLEC, que estão no lado oposto, pretendem que haja uma mediação regional ou que de alguma forma isto possa ser visto como um diferendo internacional”.
Quanto a Angola, dificilmente admitirá uma mediação internacional que “não lhe interessa de todo” porque seria admitir que o conflito existe e que estaria a escalar para uma esfera internacional, considerou o especialista, comparando o caso com o que acontece com Espanha e o diferendo da Catalunha, em que Espanha também não está interessada em que haja uma mediação internacional.
Esta semana, um dirigente do principal partido da oposição angolana, a UNITA, declarou ser “uma verdadeira insanidade” que o Governo angolano negue a existência do conflito em Cabinda.
“É uma insanidade chamar àquilo de incidentes, não é incidentes, há um conflito militar que ocorre em Cabinda”, referiu o deputado e primeiro-ministro do governo-sombra da UNITA, Raul Danda, criticando ainda o papel de Portugal neste processo, que encara “com bastante mágoa e tristeza”.
Criada em 1963, a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) surgiu da fusão de três organizações — o Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC), o Comité de Acção da União Nacional de Cabinda (CAUNC) e a Aliança Nacional Mayombe (ALLIAMA) — e mantém-se como o único movimento que defende uma “resistência armada” contra a administração de Luanda.
Mais de metade do petróleo angolano provém desta província angolana.