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China e Índia têm de se aproximar

O académico Jia Haitao defende que os dois gigantes asiáticos sabem que necessitam de aprofundar relações e que o setor educativo de Macau pode ajudar neste sentido. O também diretor do Instituto de Investigação Comparativa da China e Índia da Universidade de Jinan falou com o PLATAFORMA depois de um seminário, no qual participou a convite do Instituto Cultural de Macau e da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), na semana passada.

– Num artigo, sugeriu que “os indianos parecem ter atitudes ambivalentes em relação à China”. Pode explicar melhor esta ideia?

Jia Haitao – Na Índia, alguns sugerem que se deve assumir uma atitude calma e procurar desenvolver a cooperação com a China, no entanto, outros veem o país como uma ameaça e por isso propõem uma posição menos amigável. Em geral, as atitudes são ambivalentes. Houve uma guerra entre os dois países, que resultou em muitos problemas ainda existentes. Ao mesmo tempo, para o povo indiano, a China está a crescer a grande velocidade e a tornar-se num país cada vez mais poderoso, e por isso a comunicação e cooperação são inevitáveis. Desta forma é desenvolvida uma atitude ambivalente onde se vê refletido tanto afeto como ódio.

– Há 12 anos, a antiga vice-secretária de Estado adjunta norte-americana Susan Shirk apelidou as relações sino-indianas de “rivalidade unilateral”. A responsável referiu que a atenção que a Índia dá à China não é recíproca, sendo a importância dada pela política externa chinesa ao território indiano muito reduzida. A situação ainda se mantém?

J.H. – Provavelmente já não. Antigamente o povo chinês ignorava um pouco a Índia, fazendo com que muitos indianos sentissem que a China subestimava o seu país, sem reconhecer ou respeitar a sua existência. É verdade que o povo chinês ignorava a Índia, no entanto, nunca menosprezou ou desrespeitou o país. Com o crescimento da Índia e desenvolvimento da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, a China apercebeu-se agora da influência que o país tem. 

– Acredita que a situação pode mudar?

J.H. – Claro, já mudou completamente, especialmente depois do conflito fronteiriço em Doklam no ano passado. Foi um incidente e uma lição importante para ambos os lados. Para mim, depois desse incidente, a China, desde a população aos seus líderes, reconheceu a força da Índia e a sua posição relativamente firme. Além disso, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, visitou recentemente a China, refletindo esta mudança.

– Alguns comentadores acreditam que Modi se quer encontrar com Xi Jinping não apenas para melhorar os laços entre a Índia e a China, mas também como uma preparação para as eleições gerais do país no próximo ano. Concorda? 

J.H. – Certamente que sim. Todavia existem mais razões. Para mim, ambos os lados reconhecem que é necessário melhorar as relações, tendo em conta a situação relativamente importante a nível histórico do mundo atual. Alguns chegam até a dizer que nos estamos a aproximar de uma mudança centenária ou de um ponto decisivo na história, embora na minha opinião esta seja uma visão um pouco exagerada. Quantos obstáculos enfrentou a China no último século? Será [esta mudança] ainda mais significativa do que o Incidente da Ponte Marco Polo [que marcou o início da Segunda Guerra Sino-Japonesa em 1937]? Não podemos ver as coisas desta forma. Porém, numa perspetiva global, podemos notar que os Estados Unidos estão a enfrentar enormes mudanças que têm um impacto visível no mundo, e por isso criam também obstáculos à China. Como podemos ver, o Governo de Trump está a tomar uma postura severa e a tornar-se cada vez menos amigável à China, fazendo pressão sobre o país. Poderá dizer-se que tal situação irá levar a uma relação ainda mais próxima entre a China e a Índia.

– No seu seminário, disse que a Índia ocupa um lugar crucial na área abrangida pela iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. No entanto, o país repetiu várias vezes que não faz parte da mesma. Como pode a China resolver a questão?

J.H. – É verdade que a Índia não possui um papel muito pró-ativo na Iniciativa. O país assumiu uma atitude um pouco defensiva porque as relações com a China estavam a atravessar uma fase menos boa. É esta a razão [por detrás desta atitude indiana]. No entanto, espero que sejam feitos ajustes depois da visita do primeiro-ministro indiano à China, e que ambos se esforcem para mudar a situação. Se as mudanças vão acontecer, só depende dos próximos passos que a Índia decidir tomar.

– O que poderá a China aprender com a Índia em termos de desenvolvimento de soft power?

J.H. – Por exemplo, com a comunicação a nível cultural, além da sua cultura clássica, também a cultura moderna do país tem um impacto notável a nível internacional. Filmes indianos, yoga, budismo, setor de educação, media e várias publicações indianas, todos têm uma grande influência a nível internacional.

– Num artigo referiu também que poucos indianos escolhem estudar na China. Poderá Macau contribuir para mudar a situação?

J.H. – Tal como disse a Zhao Dianhong, [vice-diretor do Instituto de Investigação Social e Cultural da MUST], a universidade poderá cooperar com instituições de ensino superior indianas, e receber professores e estudantes indianos na instituição. Poderá até mesmo criar programas de ensino na Índia. 

– Acha que as restantes universidades locais podem fazer o mesmo?

J.H. – Sim, estou a referir-me a qualquer universidade em Macau. Quero também salientar que esta é uma sugestão que fiz em 2010.

– Em comparação com instituições de ensino superior da China continental, porque está Macau numa posição mais adequada para criar uma cooperação do género com a Índia?

J.H. – Macau não tem tantas regras e limitações. Acredito também que a economia de Macau é unilateral. Pouco depois da transferência de soberania, eu próprio disse que esta não deveria depender apenas do jogo. Por esta razão, [o ensino] poderá ser um setor com potencial de desenvolvimento. Quando visitei a MUST [há vários anos], disse que a universidade poderia ter um desenvolvimento melhor, e agora provou-se que a minha observação estava correta. Na verdade, o setor educativo de Macau poderia aumentar a sua capacidade. Qual a finalidade de construir tantos casinos? A Índia, em primeiro lugar, poderá ajudar Macau com recursos humanos. Também é um mercado gigante. A educação em Macau poderá tornar-se um setor de exportação e servir como ponte que levará a trocas educativas e culturais, e facilitar a cooperação entre a Índia e a China.

– Tanto Macau como Goa, na Índia, estiveram sob domínio português. Poderá Macau utilizar os seus laços históricos com Goa para facilitar o desenvolvimento relações interpessoais entre a China e a Índia?

J.H. – Macau é uma cidade internacional que partilha um passado histórico com Goa, contudo a descolonização de Goa foi mais abrangente. O que a Índia quis foi uma completa descolonização, e por isso não gosta de enfatizar os seus elementos portugueses. Na minha opinião, não se pode negar que existe ainda alguma herança histórica dessa altura, porém parece-me que a Índia não está particularmente interessada em desenvolver as suas relações com Portugal através de Goa. Para mim, Macau, como Região Administrativa Especial, pode usar os pontos fortes próprios que tem para desenvolver uma cooperação económica e cultural. 

Davis Ip  11.05.2018

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