Início Cultura FESTIVAL LITERÁRIO DE MACAU QUER TORNAR-SE “MAIS CONHECIDO, RECONHECIDO E DESEJADO”

FESTIVAL LITERÁRIO DE MACAU QUER TORNAR-SE “MAIS CONHECIDO, RECONHECIDO E DESEJADO”

A quarta edição do Festival Literário de Macau – Rota das Letras, que realizou-se entre 19 e 29 de março, terá sido aquela que teve maior impacto entre o público, atraindo visitantes não apenas de Macau, mas também de Hong Kong. Para 2016 está previsto um tributo a Camilo Pessanha e a presença de um “autor de grande reputação internacional”.

“Este ano tivemos uma excelente cobertura [mediática] em Hong Kong, a autora Wong Bik-wan criou um espetáculo propositadamente para o festival [“Doomsday Hotel, Tempo e Fantasmas”, com música ao vivo] que trouxe a Macau vários visitantes de Hong Kong”, disse ao jornal Plataforma o diretor do Festival Literário de Macau – Rota das Letras , Ricardo Pinto. O evento literário desde há quatro anos que junta em Macau, e por esta altura do ano, escritores, jornalistas, artistas plásticos, músicos e cineastas, falantes de português, chinês e inglês, em conversas, debates e workshops itinerantes por escolas, universidades e sessões abertas ao público. Na opinião do diretor da Rota das Letras, “com o tempo e com o esforço de muita gente o festival literário está cada vez mais conhecido e reconhecido”. Ricardo Pinto sublinhou ainda que a aspiração dos organizadores é que “o festival seja, não apenas mais conhecido, mas que seja, também, cada vez mais desejado, ou seja, que tenha conseguido convencer as pessoas que faz sentido e que é um contributo importante”.
Para o sub-diretor da Rota das Letras, Hélder Beja, o festival este ano “foi extraordinário” do ponto de vista dos convidados, fazendo-se integrar por um conjunto de autores “com muito talento”. “Acho que toda a gente ficou muito bem impressionada com as prestações dos convidados”, acrescentou.
Algumas das sessões mais significativas em termos de número de participantes aconteceram nas escolas, universidades, mas também no Edifício do Antigo Tribunal. As salas encheram-se de público para ouvir, por exemplo, Wang Anyi, a romancista chinesa e presidente da Associação de Escritores de Xangai, nascida em 1954, com obra premiada e traduzida em diversas línguas, com um percurso literário marcado pelos anos da Revolução Cultural.

LITERATURA EM TEMPOS PÓS-REVOLUÇÃO

Em Macau, Wang Anyi falou de literatura e descreveu a nova geração chinesa de escritores como “mais individualista”.”Os escritores mais jovens focam-se mais nas vidas urbanas, dão muita atenção à personalidade, muita importância à emoção individual e não se preocupam tanto com o que está à volta deles”, afirmou a escritora em entrevista à agência Lusa durante a sua participação no festival literário. Para Wang Anyi, a “época de ouro” da literatura contemporânea chinesa deu-se nas décadas de 1980 e 1990, quando os escritores nascidos nos anos 1950 (como é o seu caso) e 1960 “amadureceram”. Foi a época, disse, em que “o respeito individual estava em ascensão”.
O despertar dos jovens estudantes chineses para a literatura no período pós-revolução cultural, que terminou em 1976, foi um tema abordado perante um auditório cheio de alunos do Colégio Anglicano de Macau por Xi Chuan, poeta, ensaísta e tradutor, nascido em 1963. O autor, que foi professor convidado da Universidade de Nova Iorque e artista convidado da Universidade de Victoria, nos Estados Unidos e Canadá, e é um dos poucos poetas chineses que conhece de perto escritores e poetas ocidentais, falou do período entre 1978 e 1981, ano em que entrou para a Universidade de Pequim, e da “febre de leitura” que existia na altura por autores inacessíveis até então, como Jean-Paul Sartre, Nietzsche e Freud.
O escritor chinês Murong Xuecun abordou um tema que lhe é caro, a liberdade de expressão e de criação, logo na sessão inaugural do festival, partilhada com o escritor, editor e ex-secretário de Estado da Cultura português, Francisco José Viegas. Murong é colaborador regular do jornal The New York Times, onde critica duramente o regime. Apesar da censura, Murong acredita que a Internet permite aos chineses “expressarem a sua voz”. Antes de ser encerrado pelas autoridades, o seu blogue tinha 8,5 milhões seguidores, enquanto os seus livros, por exemplo, foram descarregados da Internet por pelo menos 100 milhões de leitores.
Ao longo dos 10 dias de festival, as salas do Antigo Tribunal e os auditório das escolas encheram-se para ouvir, também, autores de expressão portuguesa como o romancista Francisco José Viegas; o multipremiado e vencedor do Prémio Saramago João Tordo; a poeta, editora e autora de livros para crianças Maria do Rosário Pedreira, o romancista e vencedor de diversos prémios de literatura infantil David Machado. Ondjaki, autor angolano, nascido em Luanda, em 1977, vencedor de vários galardões, incluindo o Prémio Saramago (2013) pelo romance “Os Transparentes”, foi um dos nomes relevantes da programação em língua portuguesa. O autor, que na sua bagagem de imaginação trouxe um sem fim de histórias para contar, conquistou tanto graúdos como miúdos, nomeadamente na Escola Portuguesa de Macau – onde a pedido dos alunos, finalistas e em fase de decidir os seus destinos – o escritor deu conselhos em relação ao futuro, sossegando-os e assegurando que “a adolescência dói, mas depois com o tempo tudo passa“.

A FOTÓGRAFA QUE QUER SER A VOZ DOS IMIGRANTES

A presença no festival literário da recém-descoberta promessa da fotografia documental, Xyza Bacani, a filipina e antiga empregada doméstica distinguida com uma bolsa da Magnum Foundation, que a vai levar a Nova Iorque, atraiu a atenção das agências noticiosas internacionais, que vieram de propósito a Macau para entrevistar a artista. Xyza, que deu uma palestra e marcou presença na inauguração da sua exposição de fotografia intitulada “Pedaços de Vida”, contou já ter estado em Macau algumas vezes e que “adora andar pela cidade e tirar fotos às pessoas”. Em relação aos seu compatriotas filipinos a trabalharem em Macau e Hong Kong a fotógrafa afirmou ser “uma bênção poder ter uma voz e ter sido contemplada com essa voz para representar os trabalhadores imigrantes”.
Na secção das artes plásticas, foi possível ainda conhecer o trabalho do pintor chinês Ge Zhen, do ilustrador português João Fazenda, que trouxe trabalhos centrados em três figuras da cultura portuguesa (Fernando Pessoa, Camões e Amália) e dos artistas locais Mike Ao Ieong e Summer Há.
Na música, o maestro António Victorino d’Almeida ofereceu a Macau uma improvisação ao piano no palco do Teatro Dom Pedro V e uma revisitação da música que o maestro compôs para cinema e teatro, num concerto no Centro Cultural de Macau, que contou com a participação, a quatro mãos, da pianista Madalena Garcia Reis.
O festival trouxe ainda ao Cotai Arena do Venetian, o rapper brasileiro Gabriel, o Pensador – que entusiasmou a plateia e levou ao palco um grupo de fãs, uma portuguesa, uma cabo-verdiana e uma brasileira, para cantar com ele “2345meia78”. Em palco estiveram também a banda de Hong Kong, LMF, que levou uma multidão de seguidores ao Cotai Arena, e o grupo de Macau Blademark, liderado pelo vocalista e artista plástico Fortes Pakeong Sequeira.
O festival completou-se com a secção de cinema, com a presença em Macau do realizador português João Botelho e a visualização, a encerrar o festival, de “O Filme do Desassossego” e de “Os Maias”, inspirados na sobras de Fernando Pessoa e de Eça de Queirós; e da realizadora Ann Hui, nascida na Manchúria mas estabelecida em Hong Kong desde 1952. Ann Hui, já por diversas vezes galardoada, acaba de receber o prémio para Melhor Realizador na nona edição dos Prémios do Cinema Asiático, que aconteceu em Macau, pela biopic “Golden Era”, que retrata a vida da escritora chinesa Xiao Hong, que viveu no início do século XX, e que o público de Macau teve a oportunidade de ver dentro da programação da Rota das Letras.

ANTIGO TRIBUNAL FOI UM SUCESSO

Este ano o festival contou com um orçamento global à volta dos 2,7 milhões de patacas. O evento teve como base o Edifício do Antigo Tribunal, situado numa zona central da cidade, o que terá contribuído para uma maior adesão do público, na opinião dos organizadores. Para o sub-diretor do festival, Hélder Beja, a localização foi definitivamente “uma aposta ganha”. “O festival esteve muito mais visível para toda a gente, o edifício do tribunal é uma porta aberta, e gostávamos que pudesse ser a casa deste festival durante vários anos”, disse.
Para as próximas edições o objectivo do festival é continuar a “ter ainda mais público”. Para Ricardo Pinto “o importante é que o festival chegue ao maior número possível de pessoas, tanto estudantes que são para nós claramente uma prioridade, como também o público em geral. Portanto, ficaremos satisfeitos, cada vez mais satisfeitos, tanto mais quanto o festival conseguir atrair um maior número de pessoas e um público cada vez mais diversificado. Isso é verdade e tem vindo a acontecer”.
Hélder Beja, por sua vez, destacou a importância do investimento realizado de forma a garantir a tradução simultânea das palestras de chinês para inglês e vice-versa, um esforço que “tem de ser potenciado, para que as sessões públicas tenham ainda mais pessoas envolvidas. Esse [o público] será sempre um desígnio do festival, este ano já foi muito bom, mas queremos que seja ainda melhor”, afirmou Hélder Beja.

CAMILO PESSANHA E UM AUTOR INTERNACIONAL PARA 2016

A estreia da literatura infantil no festival, com o convite a escritores de livros infantis, foi outra das jogadas de sucesso que a organização deseja continuar nas próximas edições, de maneira a fazer chegar a leitura aos mais novos.
“É uma aposta que correu muito bem e vamos repetir. Vamos continuar a ter autores que tenham esse perfil, de chegar às crianças, de poderem fazer coisas com as crianças, vai continuar a haver sempre escritores com essas características, queremos mesmo que isso se mantenha”, afirmou Hélder Beja.
O festival tenciona continuar a trabalhar com as escolas e universidades e, frisou Hélder Beja, “ajudar de alguma forma a desenvolver hábitos de leitura, que são escassos ou quase inexistentes, não só em Macau, mas em quase em todo o lado como toda a gente sabe. Há esse défice de leitura, de apego ao livro”.
Em relação ao próximo ano a Rota das Letras tenciona fazer um tributo ao escritor português Camilo Pessanha, que viveu e morreu em Macau, em 1926. “Um tributo que incluirá, do ponto de vista literário, sessões e palestras, mas que cobrirá diferentes áreas, poderá ter artes de palco, artes plásticas e também estamos a preparar uma surpresa que pode ter a ver com um concurso literário à volta do Camilo Pessanha, vamos anunciar isso muito em breve”, avançou o sub-diretor da Rota das Letras. Em termos de programação, o festival vai continuar a seguir o mesmo modelo e trazer escritores da lusofonia e da China. “Já temos alguns autores alinhavados”, assegurou Hélder Beja. O modelo mantém-se, mas a organização quer surpreender em 2016. No próximo ano, “o festival pretende trazer um ou dois grandes nomes da cena internacional, autores premiados e traduzidos muito conhecidos. Gostávamos muito que em 2016, pela primeira vez, o festival acolhesse um grande autor internacional, que não será nem lusófono nem chinês”, concluiu o organizador.

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