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MOÇAMBIQUE SINGROU EM MACAU

 

Foi sobretudo depois da independência que grande parte da comunidade moçambicana ou ligada ao país presente em Macau começou a chegar ao território. A adaptação a Portugal era difícil e Macau começava a “abrir-se para o mundo lusófono”, segundo explica a presidente da Associação dos Amigos de Moçambique, Helena Brandão. Antes da transição do território, muitos moçambicanos voltaram a fazer as malas e a partir. Hoje é uma comunidade pequena, ligada sobretudo à função pública e que “singrou em Macau”. 

 

PLATAFORMA MACAU Que perfil traça da comunidade ligada a Moçambique no território?

HELENA BRANDÃO  – É uma comunidade que singrou em Macau. Vive bem, tem o seu trabalho, a sua casa e os filhos a estudar. A maior parte dos profissionais está no funcionalismo público e alguns em profissões liberais. Ainda temos pessoas a  trabalhar na Central Elétrica de Macau (CEM) e alguns empresários. Também existem por volta de 10 estudantes [universitários].

 

P.M. Como nasceu esta associação? É um grupo para os amigos de Moçambique e não só para moçambicanos. Essa era a ideia?

H.B.  – Consta que quando esta associação nasceu, foi difícil escolher o nome. Houve pessoas que saíram de Moçambique de forma não muito agradável e um dos grupos queria pôr o nome de Associação de Naturais de Moçambique. Mas havia quem acreditasse que isso seria uma forma de descriminação e que este grupo deveria ser mais abrangente. Foi criada então a Associação dos Amigos de Moçambique. Hoje também temos sócios que nao conhecem nem nunca foram ao país, mas têm interesse em Moçambique.

 

P.M. Foi fundada em 1992, mas entre 1998 e 2006 houve um intervalo no trabalho deste grupo. Porquê?

H.B.  – A maior parte das pessoas que fazia parte da direção saiu de Macau e até se falou na possibilidade de fechar porque de fato nao havia quem quisesse continuar com o projeto que começou em 1992.

 

P.M. Com a transição, em 1999, muitos moçambicanos regressaram ao país?

H.B.  – Grande parte regressou a Portugal. Os moçambicanos ou aqueles que viveram em Moçambique começaram a aparecer em Macau no final da década de 1970. Em 1976 muitos ficaram em Portugal, mas como nessa altura Macau começou a abrir-se para o mundo lusófono, as pessoas começaram a vir. Lembro-me que nessa altura eu ainda estava em Moçambique, quando pessoas da geração dos meus pais começaram a vir. Eram sobretudo técnicos e trabalhavam na CEM, que recebeu naquela altura muitos moçambicanos, sobretudo para trabalhar na área da eletricidade e mecânica. Desenvolveram um excelente trabalho, que é reconhecido ainda hoje. Além disso, em Moçambique, sobretudo na Beira e em Maputo, viviam muitos chineses, que depois da independência também vieram para Macau. Trabalhavam no comércio, na atividade bancária, prestação de serviços ou no ensino. Aqui estiveram muitos moçambicanos integrados e eram pessoas de todos os credos e etnias. Estabeleceram-se em Macau numa altura em que se deu um boom de moçambicanos e de outros novos países da lusofonia que se estavam a formar.

 

P.M. Estamos então a falar de três grupos principais, moçambicanos, portugueses que nasceram ou viveram em Moçambique e chineses moçambicanos.

H.B.  – Sim, todas essas três comunidades acabaram por se encontrar aqui em Macau. Muitas pessoas não conseguiram ficar em Portugal. Sair de Moçambique e ir para a Europa não era fácil.

P.M. Não se adaptaram?

H.B.  – Muitos não se adaptaram a Portugal e em Macau encontraram vários pontos comuns. Foi engraçada a vinda destas pessoas para Macau. Primeiro foram chegando uns, depois essas pessoas trouxeram a família e amigos. Eu própria vim aqui parar através dos meus pais. Foi assim que a comunidade foi aumentando.

 

P.M. Hoje a comunidade é menor do que nesses anos 1990?

H.B.  – Penso que dos anos 1970 a 1990 era maior.

 

P.M. Antes da transição havia restaurantes moçambicanos e discotecas africanas. África estava mais presente?

H.B.  – A maior parte dos falantes de língua portuguesa – além dos que já cá estavam – vieram muito por essa altura, entre 1976 e 1994 e muitos eram oriundos das ex-colónias: angolanos, moçambicanos e até cabo-verdianos que na realidade já cá estavam há mais tempo. Nesse período, as pessoas ainda estavam muito apegadas à terra que deixaram e falava-se muito mais entre as pessoas de Moçambique das saudades que se tinha do país. Hoje, Moçambique está mais presente de outra forma.

 

P.M. Na vertente empresarial?

H.B.  – Empresarial, económica e comercial.

 

P.M. E os empresários que querem entrar no mercado chinês olham para Macau como uma ponte?

H.B.  – No ano passado fui a Moçambique e apercebi-me que há muitas pessoas no país a trabalhar em nome individual e que são pequenos empresários. A China está mais aberta e este intercâmbio é feito de forma direta. Aqueles que o fazem através do Fórum Macau já são grandes empresários, mas não tenho acesso a dados específicos. Posso dizer que o Fórum Macau e o próprio Governo de Moçambique estão a tentar reforçar o intercâmbio entre empresários de Moçambique e da China. Todos sabemos que a China está em força em Moçambique. Portanto, os empresários passam por Macau, sim, mas vêm cá através do Fórum ver como é Macau e quais são as possibilidades [de negócio]. Mas não conheço um empresário de Moçambique que se tenha estabelecido em Macau. Esses vão diretamente à China.

 

P.M. O estabelecimento do primeiro consulado é um sinal de que as relações estão mais próximas?

H.B.  – Penso que sim. Se Pequim autorizou a instalação do consulado de Moçambique em Macau é porque de facto vê as relações com Moçambique promissoras.

 

P.M. O que tem a associação feito ao longo destes anos?

H.B.  – Gerir uma associação é dificil porque para funcionar precisa de apoio financeiro. Só fazemos atividades que podemos concretizar e é muito dificil conseguir ajuda. Contamos com  o apoio do Fórum Macau e da Fundação Macau, embora pense que por aquilo que temos feito a Fundação Macau deveria ajudar mais. Também precisamos de apoio do Governo de Moçambique em termos de material de divulgação do país. Desde 2007 que temos vindo a organizar a semana gastronómica de Moçambique. Conseguimos trazer um chef de comida tradicional e pretendiamos que durante esta semana houvesse outra atividade, mas não havia dinheiro para isso. A nossa ideia é tentar mostrar o que o país tem na área de artesanato, música e turismo.

Quando comemorámos 20 anos, conseguimos fazer um ciclo de cinema de Moçambique em Macau com o apoio do Instituto Nacional do Livro, do Instituto Nacional de Audiovisual e Cinema de Moçambique e também do Consulado Geral e Portugal. Conseguimos organizar nessa altura uma palestra sobre instrumentos tradicionais de Moçambique no Clube C&C. Este ano também trouxémos uma estilista e fizemos uma passagem de modelos e uma mostra na Livraria Portuguesa.

 

P.M. E que vão trazer este ano para a Festa da Lusofonia?

H.B.  – O tema este ano é “Gentes de Moçambique”. Vamos ter as nossas iguarias, bebidas tradicionais e artesanato. Temos um artesão a participar na semana cultural e que vai estar presente tambem na Festa da Lusofonia. Aqueles que tiverem peças de artesanato em casa e que estejam estragadas podem levar para a barraca de Moçambique que lá está o artesão. Este ano Moçambique vai também apresentar uma banda de muito sucesso. Chama-se banda Kakana. Toca música marrabenta com um pouco de blues. Têm tido muito sucesso internacional.

 

Catarina Domingues

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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