O cônsul-geral de Portugal em Macau destaca, em entrevista ao Plataforma Macau, “a importância que o Sr. Presidente pretendeu dar ao tema empresarial, à investigação científica e à cooperação universitária, o que inclui a divulgação da língua portuguesa”. Vítor Sereno tece ainda rasgados elogios à comunidade portuguesa de Macau e defende que a Região oferece “vantagens competitivas” às empresas portuguesas que apostem no mercado chinês, em especial no Delta do Rio das Pérolas.
PLATAFORMA MACAU – Qual é a importância que atribui à visita do Presidente Cavaco Silva a Macau?
VÍTOR SERENO – A maior das importâncias. O Presidente Aníbal Cavaco Silva esteve em Macau anteriormente, nas suas funções de primeiro-ministro (em 1987), na altura em que assinou a Declaração Conjunta, em 1994. Apesar das visitas de alto nível entretanto efetuadas pelo então primeiro-ministro José Sócrates, e mais recentemente pelo vice-primeiro-ministro Paulo Portas, o que é fato é que há quase uma década – desde a visita do Presidente Jorge Sampaio, em Janeiro de 2005 – não tínhamos um dignitário português tão importante a visitar a República Popular da China e a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
PM – Qual é o perfil desta delegação e quais são os seus principais objetivos?
V.S. – A agenda do Sr. Presidente, nesta visita, tem uma forte componente económica e universitária, o que justifica que a comitiva inclua mais de 100 empresários, gestores, responsáveis de entidades universitárias e estatais. Acompanham-no ainda o vice-primeiro- ministro, Paulo Portas, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, bem como os ministros da Economia, Pires de Lima e da Educação, Nuno Crato, o que demonstra a importância que o Sr. Presidente pretendeu dar ao tema empresarial, à investigação científica e à cooperação universitária, o que inclui a divulgação da língua portuguesa. Por isso foram pensados seminários económicos entre empresários portugueses e chineses, mas também vários encontros com universitários.
PM – O que destaca na agenda de Macau?
V.S. – A componente de Macau tem um lado muito forte ligado à comunidade portuguesa. O Sr. Presidente tem dito sempre que a diáspora portuguesa, para além de ser um ativo estratégico, deve ser uma embaixada de Portugal nos países onde se encontra implantada. A sua vinda aqui é uma forma de homenagear essa comunidade, que para mim é de um valor extraordinário. Uma comunidade que soube ler a História, compreender a mudança e posicionar-se e estrategicamente nas novas dinâmicas sociais, económicas e políticas de Macau.
PM – Como descreve essa comunidade e que valor Portugal lhe deve dar?
V.S. – É uma comunidade que soube integrar-se de forma tranquila e harmoniosa, não deixando de reivindicar para si aquilo a que, no quadro e na observância do ordenamento jurídico, possa ter direito; participa ativa e empenhadamente nas estratégias de desenvolvimento definidas pela RAEM, exibindo uma competência, um espírito empreendedor, uma verticalidade e um profissionalismo que constituem a âncora da presença de muitos compatriotas em diversos e prestigiosos cargos na administração pública, nas empresas, na academia; percebe a importância que esta região do mundo desempenha na ordem mundial e no comércio global e que participa de várias iniciativas e projetos que garantirão a sua presença na linha da frente do futuro de Macau; e é uma comunidade que soube organizar-se em torno de núcleos, instituições e associações que constituem importantes redes de apoio e de solidariedade entre portugueses, sendo também agentes importantes na preservação e na promoção de marcas que são parte intrínseca da especificidade de Macau – a língua e a cultura portuguesas.
PM – Como analisa o momento atual das relações entre Portugal e a China? E que futuro vê para as relações entre os dois países?
V.S. – As nossas relações com a República Popular da China e com a Região Administrativa Especial de Macau são as melhores. Vivemos tempos muito felizes na nossa relação bilateral. Recordo aliás que este ano se assinalam 35 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, bem como os 15 anos da trans ferência da administração da RAEM, de Portugal para a República Popular da China. As relações entre os dois povos têm assumido um destaque muito particular no quadro da recuperação económica de Portugal (vide os exem- plos dos investimentos da China Three Gorges, da State Grid e da Fosun) e, nos últimos anos, têm-se multiplica- do as oportunidades de investimento com vantagens mútuas, bem como o estreitamento das nossas relações, no- meadamente, nas vertentes comercial, cultural e científica.
PM – Essa dinâmica positiva pode crescer no futuro próximo?
V.S. – O que desejamos é que a nossa dinâmica bilateral se fortaleça cada vez mais dando conteúdo a uma políti- ca que, da nossa parte, irá privilegiar a Ásia e a CPLP como regiões estratégi- cas da sua atuação.
PM – Que papel desempenha Macau no aprofundamento das relações en- tre Lisboa e Pequim?
V.S. – Macau é presentemente uma Região de grande bem-estar económico, de pleno emprego, com uma economia relativamente pequena, mas com um elevado grau de abertura ao exterior, com uma das mais baixas taxas de impostos do mundo, goza de finanças estáveis, é dotada de uma zona adua- neira separada e um porto franco, não tem restrições cambiais e é uma ponte de ligação entre os mercados internacionais e a China continental. Por isso constitui, naturalmente, do ponto de vista cultural, histórico e geográfico, uma ponte possível de intercâmbio com a China. Recorde-se que os portugueses estabeleceram-se nesta Região criando vários pontos de trocas, transformando esta península um lucrativo entreposto no comércio entre a China, o Japão e a Europa, característica que se manteve ao longo de séculos. Macau assumiu, assim, o papel de ligação da China com o exterior, o local de contato e de cruzamento do Ocidente e do Oriente. Esse papel mantém-se e viu reforçada a sua atualidade. A RAEM, que tem na multiculturalidade uma marca da sua especificidade, tem também uma vantagem competitiva, assumindo hoje um papel preponderante de plataforma entre a China e o mundo e, muito em particular, com os países de língua portuguesa.
PM – Como podem as empresas por- tuguesas explorar o potencial da plataforma de Macau, conceito politicamente firme há cerca de uma década, mas ainda pouco desenvolvido na prática?
V.S. – Na minha opinião, e face à reduzida dimensão do mercado, as empresas portuguesas não devem ver Macau como um destino final, mas antes como uma boa forma de chegarem à Grande China, tirando proveito dos vários acordos celebrados pela RAEM e que visam o desenvolvimento e a integração com a China continental. Recordo que a margem ocidental do Delta do Rio das Pérolas é uma zona altamente povoada e infraestruturada, habitada por largas dezenas de milhões de pessoas com grande poder de compra. A província de Cantão – só ela com uma população superior a 100 milhões de habitantes – é uma das mais ricas da China e um nódulo industrial e comercial com importância crescente.
PM – Muitas empresas portuguesas questionam as vantagens de se sediarem em Macau, em vez de o fazerem em Pequim, Xangai, ou mesmo noutros países asiáticos…
V.S. – Pela sua especificidade no contexto asiático, Macau tem algumas vantagens para as empresas portuguesas comparativamente aos restantes países da região, nomeadamente o fato de ser uma Região Administrativa Especial com governação própria separada da China continental por verdadeiras fronteiras, no interior das quais vigoram regimes de Estado de Direito e economias de mercado; ter um regime político – constitucional diferenciado e bem-sucedido dentro da China, do qual Portugal é coautor; um sistema jurídico que é essencialmente de matriz portuguesa e o português como língua oficial e jurídica. Por outro lado, aproveitando o Fórum Macau, Portugal tem o maior interesse no estabelecimento de parcerias entre empresas portuguesas e chinesas para o desenvolvimento de projetos nos países de língua portuguesa e na China continental, no âmbito do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento.
PM – Qual é a importância que atribui aos três novos centros de promoção das relações lusófonas anunciados para Macau?
V.S. – As iniciativas do plano de ação para os próximos três anos, que incluem um centro de distribuição de produtos alimentares, a criação de um centro de apoio às pequenas e médias empresas dos Países de Língua Portuguesa e um centro de convenções e exposições assumem grande relevância para Portugal. Recordo que o Fórum Macau é uma plataforma de oportunidades para todos os países nele integrantes e que as próprias autoridades chinesas destacaram, na reunião ministerial de novembro do ano passado,z que Portugal possui valências especiais para o desenvolvimento de projetos tripartidos quer em África quer em Timor-Leste.
Paulo Rego