Macau e a cultura contemporânea do território em destaque na 14ª edição do Indie Lisboa 2017 – Festival Internacional de Cinema Independente.
Não é a primeira vez que o território marca presença no Indie Lisboa, mas é a primeira vez que ganha destaque na programação do festival, com um programa próprio elaborado em parceria com o Turismo de Macau.
A primeira sessão deste programa trouxe à capital portuguesa quatro curtas metragens que mostraram um pouco da nova cinematografia de Macau. “O Cravo”, de António Faria, convoca o ambiente dos filmes noir para uma narrativa onde a velha Macau é palco de uma história de amor e tragédia. Em “Crash”, Hong Heng Fai reflete sobre a presença das redes sociais no quotidiano, questionando a sua influência num modo de ver o mundo que parece caminhar para o espetáculo permanente. “The Roar of a Mother Bear”, de Doug Kin-Tak Chan, recupera a história de um crime real e constroi uma parábola sobre o instinto maternal e os laços que podem unir uma família. E “Cake”, de Tou Kin Hong, acompanha os gestos diários de um guarda do Museu de Arte de Macau e a sua aproximação a uma funcionária da limpeza, sempre com os bolos como intermediários.
Antes desta sessão inaugural assinalada com as curtas-metragens, o Turismo de Macau ofereceu um cocktail aos convidados do Indie. Nos jardins da Culturgest, provou-se comida cantonesa enquanto se brindava à presença macaense no festival. Rodolfo Faustino, coordenador da delegação dos Serviços de Turismo de Macau em Portugal, mostrou-se satisfeito com esta presença. “É uma parceria que vim a maturar ao longo dos últimos anos, sempre com vontade de me aproximar do Indie, que é um projecto fantástico. Este ano reunimos as condições para nos juntarmos, depois do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau e acompanhando os passos que Macau tem vindo a dar no cinema. Creio que é o momento exacto para podermos ligar-nos ao Indie, promovendo a imagem de Macau aqui em Lisboa.”
A programação da presença do território no Indie Lisboa coube a Carlos Ramos, que explicou ao Plataforma como surgiu a vontade de destacar o território: “Nos últimos anos tem havido uma aproximação do Indie a Macau, com realizadores como João Pedro Rodrigues, João Guerra da Mata, Ivo M. Ferreira. Há pessoas como a Margarida Moz — que cresceu e viveu em Macau — no comité de selecção. E no ano passado organizámos uma mostra de novo cinema português em Macau, em parceria com a Portugal Film. Estas ligações foram crescendo e este ano decidimos aprofundá-las. Entretanto, fomos contactados pelo Turismo de Macau e juntámo-nos para fazer um programa focado em Macau, permitindo-nos mostrar uma nova cinematografia, acompanhando um certo boom de cinema e incentivo à produção cinematográfica que ali se vive.” E se do lado das escolhas cinematográficas o processo se fez partindo da vontade de dar a conhecer o novo fôlego da sétima arte de Macau, do lado do Turismo houve igualmente a vontade de juntar a cultura à promoção, como explicou Rodolfo Faustino: “A diversificação do turismo tem de passar por coisas como esta, novos elementos, as indústrias criativas e culturais. É aqui que reside a passagem para outra fase da nossa divulgação, da nossa promoção enquanto lugar de turismo.” A par da presença no Indie, o Turismo de Macau tem a decorrer uma campanha publicitária, mostrando imagens do território em vários ecrãs espalhados pela cidade de Lisboa. “Quisemos fazer coincidir a nossa presença no Indie com uma campanha promocional junto dos grandes meios de comunicação na cidade, os écrãs gigantes que mostram Macau a quem passa. Macau devia ser um desiderato para os portugueses, toda a gente devia conhecer Macau”, diz o responsável pelo Turismo de Macau em Portugal.
Amores e ruturas numa cidade em mudança
Depois de Macau e Hong Kong, “Sisterhood”, de Tracy Choi, estreou-se em Lisboa numa sessão com direito a conversa entre a realizadora e o público. Apesar do horário escolhido para a exibição do filme — uma segunda-feira a meio da tarde —, a sala esteve composta para receber a história de uma mulher que regressa ao território para enfrentar o seu passado. Seiya era uma jovem massagista na Macau dos anos 90 e, entre um trabalho duro e a ausência de outras perspetivas que não continuar a viver cada dia, encontra um grupo de amigas onde se destaca Kay, com quem viverá uma história de amor. O romance é entretanto interrompido por uma rutura que não mais se sanará e que tem como pano de fundo a transferência de administração de Portugal para a China, em 1999.
Depois da exibição do filme, Tracy Choi explicou ao Plataforma como surgiu este paralelismo: “Inicialmente, a cena da rutura aconteceria no meio de uma festa, talvez no ano novo, mas ainda não tinha pensado na questão da entrega de Macau à China. Com o passar do tempo, e também com o contacto com vários amigos portugueses, fui percebendo que a transferência de administração do território era uma questão importante e, para os portugueses, uma questão emocionalmente complicada. Foi aí que decidi usar esse momento como momento da rutura entre as duas personagens.” Quinze anos mais tarde, sabendo da morte de Kay, Seiya regressa a Macau e reencontra as amigas do passado, mas quando pensava reencontrar a cidade que um dia conhecera, percebe que muito mudou nas ruas, nos espaços e na vida de Macau. “O argumento inicial já era uma história de amor, mas só quando regressei a Macau, depois de uns anos fora, percebi que a questão das mudanças da cidade teriam de ser parte desta história. Senti muito a força dessas mudanças quando voltei”, diz Tracy Choi, “e não foi apenas a paisagem que mudou, as pessoas também mudaram com a cidade, que está cada vez mais rápida, com menos espaço para os encontros entre pessoas.”
Depois de passar nos ecrãs de Hong Kong e Taiwan, “Sisterhood” aguarda autorização para se mostrar na China continental, mas a resposta ainda não chegou. “Não sei se o motivo é a relação entre duas mulheres estar no centro do filme, mas a verdade é que ainda ninguém nos disse se o filme pode ou não pode passar”. Depois do Indie Lisboa, a realizadora de Macau espera que “Sisterhood” possa chegar a outros ecrãs do mundo, algo muito plausível se considerarmos o percurso de vários filmes que fizeram a sua estreia no festival de cinema lisboeta.
Turtle Giant na Casa Independente
Antes do cinema, foi a música a mostrar aos lisboetas um pouco do que se vai fazendo na cena cultural contemporânea de Macau. Os Turtle Giant, trio formado por António Conceição e os irmãos Fred e Beto Ritchie, subiram ao palco da Casa Independente na noite de 4 de Maio e atuaram perante uma sala cheia de público, entre alguns amigos e conhecedores da banda e muitos estreantes no indie rock criado pelos músicos. Horas antes do concerto, a banda não sabia o que esperar em termos de afluência de público, até porque esta foi a sua estreia em terras portuguesas, mas Fred Ritchie mostrava-se otimista: “As expectativas são muito boas. Temos muitos amigos aqui e Portugal também é a nossa casa, porque todos nós temos pais portugueses.” António Conceição acrescenta que “Portugal é uma segunda casa, mas também é um sítio muito bom para tocar. Já tivemos muitas experiências intensas na Ásia, nos Estados Unidos, em vários sítios onde tocámos, mas o público português costuma ser muito bom, por isso queremos que seja um concerto especial.” O desejo de tocar em Portugal era algo que a banda alimentava há muito tempo, explicou Beto Ritchie: “Há uns anos, antes do Kico entrar para a banda, eu e o meu irmão fizemos uma tournée em Espanha e quando chegámos a meia hora da fronteira de Portugal, não tínhamos um lugar onde tocar no Porto, que era ali tão perto da Galiza, e ficou sempre essa coisa de querermos muito tocar aqui.” Depois de uma estreia bem sucedida, os Turtle Giant querem agora regressar, não apenas para novas atuações, mas também para a gravação do seu próximo álbum, que sucederá a “Many Mansions I”, e que irá nascer em Évora se tudo correr como previsto.
Sara Figueiredo Costa