– A sua vinda à MIF sucede-se à visita à China e a Macau do primeiro-ministro, Luís Montenegro. Sente que foram abertas novas oportunidades a explorar?
João Moura – Como foi visível nas palavras que o Presidente Xi Jinping proferiu, na vinda do primeiro-ministro Montenegro, de facto, Portugal é um país amigo. Traduzido para nós, quer dizer que somos um país confiável, com quem vale a pena fazer negócios e transações comerciais. No setor que me diz mais diretamente respeito – agroindústria – Portugal começa a ter alguma capacidade de potenciar os seus produtos de excelência. Durante muitas décadas não os soube aproveitar em termos de transformação para produto final, com mais valia e valor acrescentado. Neste momento, temos um quadro de jovens empresários com determinação, capacidade, e entusiasmo, para alcançar mercados de outra dimensão, como é o caso da China.
– Por isso fala em produtos de excelência; ou seja, nichos de mercado?
J.M. – Temos alguns produtos que já conseguem ter escala mundial. O vinho é um deles; outro é o azeite – estamos no ranking dos dez principais produtores do mundo. Agora, de facto, há produtos diferenciados, sem essa escala, e temos de os posicionar num segmento de valor.
Pela sua localização geográfica, Portugal pode ser o hub entre a China, a América e África… Podemos ser esse centro logístico
– Veio na perspectiva de abrir novos canais de exportação para a China?
J.M. – Um país que não cultiva o bom relacionamento diplomático nunca alcançará a transposição das diferentes barreiras que vão existindo. Estamos a falar de dois continentes, blocos com condições de segurança alimentar e certificações completamente diferentes… é preciso aproximar ao máximo as nossas entidades reguladoras e fiscalizadoras; não digo no sentido da facilitação, mas pelo menos de uma interpretação mais facilitada em termos de entendimento das diferentes instituições.
– Qual é o passo seguinte?
J.M – As palavras do nosso primeiro-ministro têm muito a ver com isso; mas entendemos que as palavras do Presidente da República Popular da China também: a confiança que depositam no nosso país e nas nossas instituições. Ao dizer que Portugal é um país amigo, a seguir faz sentido que a nossa produção alimentar se apresente na China com controle e rigor confiável; esse é o patamar que queremos atingir. Há produtos que para entrarem no mercado chinês tiveram décadas de aprovação, às vezes de contextualização e retórica; com preciosismos que, tantas e tantas vezes, não fazem sentido. Há pouco tempo tive a oportunidade de receber em Lisboa um representante do Governo chinês para ultrapassarmos barreiras, por exemplo, na comercialização na China da designada lã suja – retirada dos animais e exportada com pouco tratamento. Foi desbloqueado, e estava presa por detalhes que não faziam sentido.
(Em Macau), como bons portugueses que são, senti (…) que estão na disponibilidade de serem eles próprios embaixadores dos produtos portugueses
– Tem interesse em importar maquinaria, know-how, investimento… Ou está sobretudo focado na exportação?
J.M. – Estamos muito receptivos; e temos ainda outro interesse. A China diz muitas vezes – e bem – que Macau pode ser uma grande plataforma de mediação para a Europa e, neste caso muito particular, para os Países de Língua Portuguesa. Temos uma contraproposta: pela sua localização geográfica, Portugal pode ser o hub entre a China, a América e África… Podemos ser esse centro logístico. O Governo tem feito fortes investimentos nesse sentido e estamos a reformular o Porto de Sines; portanto, em muitas matérias-primas e produtos – com especial relevância na agricultura, porque o tempo e a proximidade valem um produto mais apresentável – podemos falar de uma localização estratégica de Portugal; da mesma forma que encaramos Macau como uma plataforma muito interessante para o resto do Ásia.

– O que Portugal perde em alguns mercados, com a multiplicação de tarifas protecionistas, pode recuperar neste lado do mundo?
J.M. – Este novo mundo faz-nos refletir sobre novas oportunidades. Não só Portugal, mas a União Europeia (UE), está a dar passos largos, por exemplo, com a Mercosul; para deixar de ter espartilhos comerciais e abrirmo-nos mais ao mundo. Cumprimos as regras da UE, temos critérios muito rigorosos de qualidade e segurança alimentar, mas não podemos ficar limitados. Dou-lhe o exemplo do que está a acontecer com a Ucrânia, que era o grande celeiro da Europa. Com a guerra, neste momento abrimos novas oportunidades em países que até são nossos parceiros em termos de língua, como o Brasil e os países africanos. O mercado mundial mudou; e, sempre que há estas oscilações entre taxas ou sobretaxas, temos que ter alternativas. No caso particular da agricultura, o consumidor não pode no seu cabaz de compras à mesa suportar grandes oscilações de preços. Para garantir alguma estabilidade, temos que ter ofertas posicionadas em diferentes horizontes; e o mercado da China, de facto, abre-nos algumas perspetivas.
Macau e Portugal podem ter um fluxo turístico mais intenso e acentuado (…) penso que o futuro muito próximo poderá dar sinais muito positivos nesse aspecto
– Tendo em vista o arco atlântico, e a posição de Bruxelas, Portugal tem restrições nas suas relações internacionais?
J.M. – Não temos restrições; antes pelo contrário. Atendendo às suas relações históricas, Portugal é dos poucos países do mundo – mesmo no contexto europeu – que tanto tem excelente relação com a China – como foi atestada pelo nosso primeiro-ministro e pelo Presidente da República Popular da China – mas também com o Brasil ou os países africanos. Temos uma relação muito estreita, diplomática, de consumo global.
– O que espera dos agentes de Macau – investidores, traders, mediadores – e que pode Portugal fazer por eles?
J.M. – Quero primeiro destacar que vejo com grande confiança os portugueses que nas últimas décadas, com a sua permanência nesta região do mundo, nomeadamente em Macau, têm tido muito sucesso nas suas diferentes atividades. Como bons portugueses que são, senti nas reuniões que fomos tendo com vários agentes, em diferentes áreas, que estão na disponibilidade de serem eles próprios embaixadores dos produtos portugueses. Aliás, como sempre foram, desde os jesuítas. Conhecem as nossas condições, a nossa localização e condições hidro climáticas; sabem que temos produtos de altíssima qualidade: peixe, frutas, vegetais, azeite, vinho, transformados… são reconhecidamente uma marca de Portugal conceituadíssima em todo o mundo. Queremos posicionarmos num segmento mais elevado, e sentimos que esse segmento está também aqui em Macau.
– O turismo pode ser também um pilar dessa plataforma?
J.M. – Podemos dar aqui um impulso muito significativo num incremento turístico entre os nossos países. Macau e Portugal podem ter um fluxo turístico mais intenso e acentuado. Neste caso muito particular, estando os produtos portugueses aqui à mesa dos cidadãos de Macau; e dos milhões de chineses que visitam Macau, podem sentir algum tipo de atração para visitarem Portugal. No sentido inverso, o facto de termos aqui uma relação muito estreita; uma relação umbilical muito forte, os portugueses podem sentir-se atraídos a visitar Macau. Pode haver aqui um conjunto de valências muito interessantes; e penso que o futuro muito próximo poderá dar sinais muito positivos nesse aspecto.