
Conselho Europeu eleva para três os critérios para validar a existência de contrato. Lei nacional, que é mais protetora porque não define um número exato de condições, irá prevalecer.
Depois de várias tentativas falhadas, a União Europeia (UE) chegou finalmente a um acordo sobre a redação final da proposta de diretiva que irá regulamentar a presunção de laboralidade dos trabalhadores de plataformas digitais como Uber, Glovo ou Bolt. Para desbloquear o impasse negocial, o Conselho Europeu do Emprego, reunido esta segunda-feira, fez algumas cedências às empresas e decidiu aumentar de dois para três os critérios exigidos para validar a existência de contrato por conta de outrem, o que irá dificultar a vinculação de motoristas ou estafetas.
O documento, aprovado esta segunda-feira, ainda terá de passar pelo crivo do Parlamento Europeu. Se tiver luz verde, a diretiva terá de ser transposta, no prazo de dois anos, pelos Estados-membros, mas com as devidas adaptações. A lei portuguesa, que entrou em vigor a 1 de maio, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, e que é mais generosa porque não impõe um número exato de requisitos para provar a presunção de laboralidade, deverá prevalecer. Depois de ter participado no Conselho, o secretário de Estado português do Trabalho, Miguel Fontes, explicou à Lusa que ficou “estabelecido, preto no branco, que os países podem sempre preservar o seu regime legal, quando entenderem que é mais favorável para a proteção dos trabalhadores face ao que venha a ser aprovado” na UE, lembrando que Portugal “já tem enquadramento legal próprio”.
Inicialmente, a proposta debatida na Assembleia da República, definia que seria necessário cumprir dois de um conjunto de seis indicadores para atestar a presunção de laboralidade entre os prestadores de serviço e as plataformas digitais ou empresas intermédias. Mas no texto legal, publicado em Diário da República, esse critério desapareceu. Ou seja, não existe um número mínimo obrigatório entre as seis condições definidas na legislação como a fixação da retribuição pela plataforma ou a pertença dos equipamentos à multinacional.
Assim, “a nossa lei é muito mais protetora, porque abre o leque de possibilidades”, esclarece ao Dinheiro Vivo Eduardo Castro Marques, da Dower Law Firm. O especialista em Direito Laboral indica que, em tese, “bastará a observância de um indicador”. Contudo, considera que “a sua aplicação será muito difícil, caso não haja acordo por parte da entidade patronal”, pelo que antevê que “muitos processos vão parar à barra dos tribunais”.
Já a proposta de diretiva que agora o Conselho Europeu vai entregar aos eurodeputados caminhou no sentido inverso, agravando as condições de vinculação dos trabalhadores. Um percurso que o comissário europeu do Emprego, Nicholas Schmit, reconheceu que foi necessário para chegar a um acordo: “Este processo não foi fácil, falhámos em dezembro, mas, se não tivéssemos conseguido, a negociação teria sido muito mais complicada”. O responsável europeu pela tutela do Trabalho, que falava no final do Conselho Europeu, revelou que foi então preciso “aumentar os critérios de dois para três”. “Este foi o ponto-chave nas negociações, fizemos alguns ajustes para conseguir um consenso juntos dos Estados-membros”, acrescentou Paulina Brandberg, ministra da Igualdade de Género e da Vida Profissional da Suécia, país que assumiu a presidência rotativa do Conselho para o primeiro semestre do ano e que termina no final deste mês.
Antes, a proposta europeia previa o cumprimento de dois em cinco requisitos e agora elevou a fasquia para três em sete indicadores. À lista de cinco condições, entre as quais também se prevê a fixação de salário por parte da empresa, foram adicionados outros dois: “A plataforma de trabalho digital restringe, inclusive através de sanções, a liberdade de organizar o trabalho, limitando a possibilidade de aceitar ou recusar tarefas; a plataforma de trabalho digital restringe, inclusive através de sanções, a liberdade de organizar o trabalho, limitando a possibilidade de recorrer a subcontratantes ou substitutos”.
Nicholas Schmit espera conseguir “um acordo entre o Parlamento Europeu e o Conselho”, mas não se compromete com prazos. Numa entrevista à Lusa, em maio, o comissário afirmou que “o melhor cenário” seria ter a legislação em vigor até ao final de 2023, embora tenha admitido, na altura, que “o calendário é o fim do [mandato do] Parlamento Europeu”, dadas as eleições europeias em maio de 2024. Caso a diretiva avance só no próximo ano, os Estados-membros terão de a adaptar às legislações nacionais nos dois seguintes, até 2026.
Estima-se que existam mais de 28 milhões de trabalhadores das plataformas digitais na UE. A grande maioria são independentes, mas pelo menos 5,5 milhões têm erradamente esse estatuto, situação que Bruxelas quer inverter, combatendo o falso recibo verde para que estes trabalhadores tenham proteção laboral.