Diferenças chegam a ser superiores a 5 mil euros entre os modelos que ocupam o top de vendas nacional, de acordo com uma análise a cinco veículos utilitários, desde 2019
O custo de vida tem vindo a subir e o impacto não se limita aos bens alimentares ou à habitação. Hoje, comprar um automóvel novo do segmento dos utilitários (segmento B) implica gastar, em média, mais 22,6% face aos preços praticados em 2019 no mercado nacional. A conclusão é de uma análise do Dinheiro Vivo, que avaliou a evolução dos valores em cinco dos modelos mais vendidos em Portugal nos últimos quatro anos, considerando as vendas a particulares. As perturbações na cadeia de abastecimento, no transporte e a escassez de componentes são apenas alguns dos fatores que ajudam a explicar os aumentos.
Mas vamos a casos práticos. A versão de entrada para um Renault Clio a gasolina custava 17 790 euros, em 2019, enquanto hoje tem um preço base de 20 415 euros. É um aumento de 2625 euros, mais 14,7%, naquele que foi o quinto automóvel mais vendido no país em 2022. Porém, a variação de custo é ainda superior quando se consideram os dados relativos ao Dacia Sandero (+37,5%) ou o Volkswagen Polo (+33,8%), cujos preços subiram 3178 euros e 5632 euros, respetivamente.
Em entrevista recente ao Dinheiro Vivo a propósito da crise dos semicondutores, Hugo Barbosa, diretor de comunicação da Renault Portugal, atribui o início das perturbações na indústria automóvel à pandemia. Com o embate da covid-19, os construtores adotaram “um comportamento defensivo” na redução de encomendas dos chips, maioritariamente fabricados na Ásia, e a procura por estes componentes foi absorvida pelo setor dos equipamentos informáticos. “Deixou de haver produção suficiente para todos”, explica. Ainda assim, o aumento dos preços nos automóveis novos deve-se também, acredita o responsável, à subida dos custos de produção. “O aço aumentou, só em 2022, mais de 60%. Quando um automóvel consome em média 800 quilos de aço percebemos o que isso representa em termos de custos”, acrescenta.
Mais do que a pandemia, que desequilibrou a relação entre a procura e a oferta no setor automóvel, terá sido a guerra na Ucrânia e a consequente crise energética uma das principais causas dos aumentos registados. De facto, quando é feita a comparação do preço da versão mais barata disponível do Volkswagen Polo em 2021 e em 2023, verifica-se que o valor registou uma subida de 19,6%, de 18 640 euros para 22 291 euros. “Os automóveis têm sofrido inflação [ao longo dos anos], mas têm sofrido muito mais agora porque toda a cadeia de produção está muito mais cara por causa do aumento exponencial do custo de energia”, aponta ainda Hugo Barbosa.
Nuno Castel-Branco, diretor-geral do Standvirtual, vê na política de descontos outro dos fatores que poderá ter contribuído para a subida dos preços. “Portugal era, tipicamente, um mercado onde os carros novos tinham muitos descontos. Houve determinados carros que costumavam ter descontos de 15% ou 20% e que deixaram de ter”, justifica. Sobre a possibilidade de o valor dos automóveis voltar a baixar, o especialista do setor não descarta esse cenário com uma progressiva redução da procura. “A partir do momento em que começar a haver excesso de stock do lado dos fabricantes, esta política dos descontos pode voltar”, diz.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice de preços no consumidor referente aos veículos automóveis registou uma variação de 6,96% em fevereiro deste ano, quando comparado com o período homólogo. A análise a cinco dos modelos utilitários mais vendidos em Portugal, feita pelo Dinheiro Vivo, mostra, porém, que o preço destes veículos aumentou, em média, 22,6% desde 2019.
Vendas em recuperação lenta
Apesar dos desafios enfrentados pelo setor nos últimos três anos, com uma pandemia e uma guerra pelo meio, os consumidores portugueses continuam a procurar a compra de automóveis novos.
Segundo números da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), em 2022, o mercado nacional registou um aumento de 2,8% nas novas matrículas, face a 2021, mas ainda 30,8% abaixo dos números de 2019. A recuperação tem sido lenta e a dificuldade na entrega de veículos tem contribuído para um crescimento mais tímido das vendas.
Em março, foram matriculados mais de 21 mil automóveis ligeiros de passageiros, o que representa, de acordo com a ACAP, um crescimento de 60,1% face ao mesmo mês em 2022, mas uma quebra de 13,9% em relação a março de 2019