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Estátua de poetisa é símbolo de compaixão para com ucranianos nas ruas de Moscovo 110 anos após sua morte

Representante do “romantismo revolucionário” e do “realismo crítico”, a poetisa Léssia Ucrainca tornou-se, 110 anos após a sua morte, num improvável símbolo de compaixão, nas ruas de Moscovo, para com o povo ucraniano.

A poetisa (1871-1913) trabalhou na tradução do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, além de ter interpretado dezenas de canções populares ucranianas, deixando cerca de duzentas gravadas. E a sua voz ainda se sente nas ruas da capital russa, em plena “operação especial” das tropas de Vladimir Putin na Ucrânia.

No dia seguinte à destruição por um míssil russo de um prédio residencial na cidade ucraniana de Dniepre, no dia 16, em que morreram cerca de cinco dezenas de pessoas, dezenas de ramos de flores surgiram aos pés da estátua de Léssia Ucrainca, que se ergue numa movimentada artéria de Moscovo, a Avenida da Ucrânia.

Na manhã de quarta-feira, pouca era a gente que deambulava pelas imediações da estátua. Mas, na véspera, a polícia russa terá interpelado populares que ali se dirigiam com ramos de flores, segundo vídeos que circulam nas redes sociais.

Um polícia que por ali fazia a sua ronda confirmou à Lusa que “uma meia dúzia de pessoas” se tinha quedado junto da estátua e depositado ramos de flores, no dia seguinte à explosão do míssil.

“Tudo decorreu dentro da normalidade”, acrescentou o agente policial, junto à estátua de Léssia Ucrainca.

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Inquirido se haviam sido feitas detenções, o agente negou peremptoriamente, contrariando informações que circularam nas redes sociais.

Aos pés da poetisa ainda eram visíveis na quarta-feira alguns ramos, rodeados de um manto branco de neve que cobre por estes dias a capital russa.

Enquanto a responsabilidade pelo ataque de Dniepre, num dia em que várias cidades ucranianas foram varridas por mísseis russos, é rejeitada por Moscovo, Léssia Ucrainca parece fazer guarda à cultura ucraniana e aos seus laços passados com a russa.

O 150º aniversário do nascimento da poetisa, a 25 de fevereiro de 2021, foi celebrado pelas autoridades da Ucrânia em associação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que no seu site enalte os “valores de paz, tolerância, igualdade de género e etnia, bem como os poderes de inclusão” que a autora “professou ao longo da sua vida, deixando para trás um vasto património literário, que afeta profundamente o discurso cultural ucraniano e internacional até hoje”.

Ucrainca (pseudónimo de Larysa Petrivna Kosach-Kvitka) falava nove línguas e traduziu diversos clássicos ocidentais, tendo participado nos movimentos nacional e feminista ucraniano, e escreveu mais de cem poemas durante suas viagens fora da sua terra natal. Criou ainda mais de uma dúzia de obras dramáticas e está ligada ao surgimento de um novo género na literatura ucraniana – poemas dramáticos ou drama em verso, ainda segundo a UNESCO.

Juntamente com as suas realizações literárias, explorou a etnografia e coletou dados das melodias folclóricas ucranianas. No catálogo da Biblioteca Nacional portuguesa, não há registo de traduções da obra da poetisa ucraniana.

Um dos seus mais famosos poemas, “Possuída”, foi escrita junto ao leito de morte do seu amigo Serhiy Merzhynskyi, segundo a revista London Ukrainian Review, do Instituto Ucraniano de Londres.

“Para o mundo toda justiça e caridade/ e para o Messias o quê? Só glória?/ ‘Guerra e discórdia, morte, doença passarão,/ paz na terra e bom ânimo entre a humanidade…’/ E o Messias? — mais ‘glória nas alturas’?/ E só glória? Ai que castigo ser o Messias que redime o mundo!”, escreve a poetisa em “Possuída”.

Na sua estátua nas ruas de Moscovo, agora tornada símbolo contra a guerra, Ucrainca segura um livro com uma mão e com a outra gesticula, com olhos fixos no horizonte, como se olhando em espanto.

*Com Lusa

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