A viver na Nova Zelândia há alguns meses, José de Abreu aceitou conversar com o Plataforma sobre o estado atual do Brasil, tanto ao nível político como social, numa altura em que o país se vê a braços com uma complicada crise sanitária provocada pela Covid-19. Com três filhos e quatro netos no Brasil, o consagrado ator tem acompanhado as notícias à distância com o coração apertado.
Para o ator brasileiro, o novo coronavírus “é um problema muito sério no Brasil”. “A taxa de isolamento anda sempre entre os 60 e os 70% e não há melhora dos dados relativos à doença, no que a infetados e a mortos diz respeito. As pessoas estão em isolamento há oito semanas e não vêem melhorias. Está tudo muito difícil”, começou por dizer.
Pior que o coronavírus é o bolsonarovírus que anda a infestar a população brasileira. Não é exemplo para ninguém
José de Abreu aponta o dedo aos empresários brasileiros que só consegue ver o lucro, esquecendo-se dos trabalhadores. “Os empresários brasileiros são, na sua maioria, desumanos e têm vindo a forçar governadores e perfeitos para que possam abrir. Abrir a economia quando a curva de Covid-19 está em subida? Não há nada mais errado que isso, quando na verdade no mundo temos visto casos em que só se volta a abrir a economia quando a curva estabiliza ou começa a descer. Se não se respeitar isso, a letalidade da doença será imensa”.
A condição humana no Brasil está, mais do que nunca, nas ruas da amargura, garante o ator. Para José de Abreu, “o pobre é que sofre, como sempre”. “A diferença social no Brasil será aumentada com esta pandemia. Disso não tenho dúvidas. As comunidades estão sobrelotadas. Famílias inteiras vivem juntas, em apartamentos minúsculos, em prédios situados em vielas, onde o ar mal circula. Muita vezes nem há água potável sequer. O panorama é muito mau”, constata.
Bolsonaro vs Trump
Numa altura em que o continente americano é o mais afetado pela pandemia de Covid-19, os EUA e o Brasil ocupam os dois primeiros lugares do pódio no que a número de infetados diz respeito. José de Abreu afirma que Trump e Bolsonaro estão na lista dos piores presidentes da história, mas ainda assim Bolsonaro consegue ser o pior de todos. “É um ignorante. Pior que o coronavírus é o bolsonarovírus que anda a infestar a população brasileira. Não é exemplo para ninguém. Está sempre no meio da multidão, não usa máscara, mesmo que isso, já sabe, seja um acessório que é obrigatório nos dias que correm. Pressiona os governadores e os perfeitos a abrirem os estados e as cidades e acaba por ser desautorizado pelo Supremo. Uma anedota”, acusa.
“Acho que a grande diferença entre os EUA e o Brasil é que Bolsonaro é mais estúpido que Trump. Apesar tudo, Trump é um homem de negócios e não um vagabundo como Bolsonaro que pouco ou nada fez na vida”, complementa.
O pobre é que sofre, como sempre. A diferença social no Brasil será aumentada com esta pandemia
O Brasil, dia após dia, passa por momentos complicados. Nest momento o país tem, em números oficiais, mais de 500 mil infetados e mais de 30 mil mortos. E não se vê fim à vista para esta situação. “Esta pandemia veio mostrar, ainda mais, o real estado do país. A economia já estava mal e vai ficar pior. Em Setembro ou Outubro o Brasil ficará destroçado. Só espero que não ocorram saques em supermercados, que não invadam hospitais. Espero não ver mortos amontoados nas ruas”, desabafou o ator da Globo.
Golpe de estado em marcha?
Circulam, de surdina, pelos corredores do poder no Brasil, rumores sobre um possível golpe de Estado no Brasil, com a possibilidade dos militares chegarem ao poder. José de Abreu também já ouviu isso, contudo desvaloriza, para já, esses rumores. “Não consigo vislumbrar, muito sinceramente, que isso se possa tornar real. Não vejo como o exército brasileiro possa envolver-se com uma pessoa como o Bolsonaro. Se ainda fosse com Mourão, talvez. Mas com Bolsonaro, não. Seria preciso que as forças armadas fossem muito burras para isso acontecer. E no estado em que o país vai ficar, só mesmo um governo de união nacional pode salvar o Brasil”.
O ator relembra que o atual presidente já não tem os apoios de outrora e até perdeu uma peça valiosa como é Moro. “É já uma briga entre a direita e a extrema-direita. Moro viu isso também e saiu. Bolsonaro já não tem mais apoios. Tem perdido os seus aliados. Que me lembre, já nenhum artista defende o Bolsonaro. Até Alexandre Frota já está contra ele. Estou mesmo crente que Regina Duarte já não o apoia mais [risos]”, concluiu.