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Tráfico de drogas e falsificação suportam lavagem de capitais

As autoridades cabo-verdianas reconhecem que o tráfico de drogas lícitas, como a aguardente, e a falsificação e contrafação de produtos têm sido usados para suportar a lavagem de capitais no país, um fenómeno criminal que merece cada vez mais atenção.

Embora sem avançar dados concretos, o inspetor Geral das Atividades Económicas (IGAE) de Cabo Verde, Elisângelo Monteiro, considerou que há uma “relação nítida” entre o tráfico de drogas lícitas e a lavagem de capitais, e “sinais claríssimos” de lavagem de dinheiro através da falsificação e contrafação de produtos.

O tema já foi debatido internamente num seminário dedicado ao contrabando e à falsificação de produtos como crimes antecedentes à lavagem de capitais e ao financiamento do terrorismo, com o inspetor a afirmar que o setor económico tem sido usado para “dar vida” ao crime de lavagem de capitais. 

Trata-se, segundo Elisângelo Monteiro, de um fenómeno que acontece há vários anos, mas que agora está a despertar, devido à dinâmica do mercado, mas também porque está associado à lavagem de capitais.

“É importante fazer a ponte entre a produção, importação e comercialização de produtos que poderão estar associados a crimes de contrafação e falsificação, havendo já alguns sinais de alguma ligação ao crime de lavagem de capitais”, adiantou o responsável do órgão de polícia criminal cabo-verdiano, que advoga uma maior atenção da sociedade para estes crimes.

“É importante trabalhar esta questão da falsificação e da contrafação, porque agridem o sistema económico, agridem o mercado, influenciem negativamente o processo de desenvolvimento e comprometem todo o investimento que se faz”.

Sete milhões de litros de grogue falsificados em 2017

A aguardente, ou grogue como é conhecido em Cabo Verde, é a bebida mais produzida no país, sendo que grande quantidade é de má qualidade, com matérias-primas nocivas à saúde e provocando a desvalorização do produto original. 

E isso tem causado “prejuízos enormes” ao sistema de saúde, ao sistema económico e também mexe com a produtividade. A IGAE tem dado combate a essa má produção da bebida e só em 2017 foram quantificados cerca de sete milhões de litros de grogue falsificados no país.

“E isto não é trabalho de pobre, é trabalho de gente com capital. É importante dizer que se está a evoluir do tráfico ilícito de drogas, feito por indivíduos que acabam também por se envolver no contrabando de grogue falsificado. Isto quer dizer que há uma relação nítida entre o mundo do tráfico de drogas ilícitas e drogas lícitas como forma de suportar a lavagem de capitais”, adiantou.

Elisângelo Monteiro garantiu que a IGAE já está a “fazer frente” a este problema, integrando vários serviços de proteção e de prevenção dos crimes de falsificação e contrafação de produtos, mas também aqueles que estão associados à lavagem de capitais. 

“O que mais intercetamos neste momento são os operadores cabo-verdianos no processo de falsificação do grogue e da matéria-prima para a respetiva produção, havendo sinais claros de contrabando e de transporte ilegal”, apontou.

Importação de açúcar diminui

Apesar de tudo, há um dado animador, referiu o inspetor. Entre 2017 e 2018, foi registada uma diminuição de quase 500 milhões de escudos em importação de açúcar, a principal matéria-prima para a falsificação da aguardente. 

Elisângelo Monteiro destacou que, pela primeira vez, Cabo Verde está a fazer frente ao problema do alcoolismo com uma lei própria, em vigor desde o passado dia 5 de outubro, para melhor controlo da produção, distribuição e consumo de bebidas alcoólicas. 

“Isto vai dificultar o processo de lavagem de capitais”, previu, notando que durante muito tempo este setor “foi indisciplinado” e que, devido à falta de fiscalização, tinha oportunidade para suportar outros crimes. 

Loja chinesas com atenção especial

As questões de falsificação entraram no quotidiano cabo-verdiano com mais intensidade com a proliferação das lojas dos cidadãos chineses. Apesar de “alguma especulação”, Elisângelo Monteiro assegurou que a IAGE não tem constatado falsificação de géneros alimentícios, mas apenas de calçado e vestuário, assim como alterações a prazos de validade. Relativamente ao calçado e vestuário, esclareceu que as denúncias já foram motivo de intervenção da IAGE, com apreensões e processos-crimes enviados para o Ministério Público. 

“Tolerância zero” 

A diretora da Unidade de Informação Financeira (UIF) de Cabo Verde, Edelfride Almeida, defendeu “tolerância zero” e uma “estratégia holística” para combater os crimes de lavagem de capitais e financiamento do terrorismo.

Sendo um crime que não conhece fronteiras e cuja prevenção e repressão são difíceis, Edelfride Almeida sugeriu, por isso, uma estratégica internacionalmente concertada, a qual deverá passar pela harmonização das legislações nacionais, pelo reforço dos sistemas de fiscalização das operações económico-financeiras e por uma forte cooperação judiciária. 

A coordenadora Nacional do Escritório das Nações Unidas para o combate à Droga e o Crime (ONUDC), Cristina Andrade, considerou que a natureza clandestina da lavagem de capitais, dificultando a elaboração de estimativas acerca do volume dos fundos lavados que circulam internacionalmente. A responsável sugeriu o reforço do trabalho de especialização dos serviços de aplicação da lei, de controlo e de prevenção, bem como da cooperação regional e o envolvimento de todas as instituições. 

Ricardino Pedro 08.11.2019

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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