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O que será dos jovens (democratas) de Hong Kong?

Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow acabaram de ser libertados, mas não lhes esperam dias fáceis. Scott Chiang, Eric Chong e Ben Bland dizem que Pequim vai continuar a apertar o cerco ao movimento de jovens democratas que os ativistas protagonizam.

Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow são hoje nomes incontornáveis quando se fala de luta pela democracia em Hong Kong. Tudo começou com o movimento dos guarda-chuvas, quando se tornaram símbolos de uma geração revoltada com os governos local e central. Por causa do protesto, considerado o mais forte desafio à linha pró-Pequim desde a transferência de soberania, foram condenados e estiveram presos por “reunião ilegal”. No mês passado, Wong e Law foram libertados sob fiança, depois de terem cumprido dois meses de prisão. No passado dia 7 voltaram a julgamento para saber que vão poder recorrer da sentença de prisão a 16 de janeiro de 2018. Na mesma sessão, o tribunal estendeu a liberdade sob fiança a Wong e Law, e concedeu fiança a Chow, que ainda não tinha feito o pedido. O académico Eric Chong, o antigo presidente da associação Novo Macau, Scott Chiang, e o jornalista Ben Bland consideram que a prisão dos ativistas marcou o fim de uma era. 

“O movimento dos guarda-chuvas e o seu fracasso podem ter sido o fim do ‘ativismo feliz’, em que as pessoas sentiam que podiam manifestar-se com a certeza de que voltariam a casa sãs e salvas”, diz o antigo presidente da maior associação pró-democracia em Macau.

Scott Chiang antecipa um futuro difícil para Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow, ainda que agora estejam em liberdade e o Tribunal de Última Instância de Hong Kong tenha aprovado os pedidos de recurso. “Aprendemos com a História que quem luta contra um regime opressivo, tem sempre uma batalha longa e difícil antes de ver sequer uma ínfima luz de esperança.”

Em agosto, Joshua Wong (21 anos) foi condenado a seis meses de prisão, Nathan Law (24 anos) a oito, e Alex Chow (27 anos) a sete meses. Se perderem o recurso, os ativistas vão ter de cumprir as penas de prisão a que foram condenados. 

Eric Chong, professor na Universidade de Hong Kong, acredita que os jovens vão acabar por ser libertados, tendo em conta que já estiveram presos alguns meses, e que a liberdade sob fiança devolveu algum ânimo ao campo pró-democrata e a outros ativistas. Relativamente ao impacto que a prisão dos jovens teve, o académico entende que o panorama está dividido, mesmo entre os mais novos. “Há os insatisfeitos, que estão a perder a esperança e que acabam por se alienar. E os que continuam a querer uma mudança”, afirma o académico, que também participou no livro “Interest Groups and the New Democracy Movement in Hong Kong”, editado por Sonny Lo.

Já Scott Chiang diz que Hong Kong atravessa um momento chave. “Ou cede perante a pressão enorme para que se submeta a Pequim, ou aumenta o movimento de resistência e reforça ainda mais a autoestima para contestar”, analisa.

O jornalista Ben Bland diz que ainda é cedo para tirar conclusões. “Alguns dos ativistas mais proeminentes parecem ter recuperado forças. Outros começaram a recear as consequências da desobediência civil”, afirma. 

Bland, que publicou o livro “Generation HK: Seeking Identity in China’s Shadow”, diz que, por enquanto, as tentativas de dominar as aspirações democráticas levadas a cabo pelas autoridades de Hong Kong e Pequim só têm estimulado a reação dos jovens democratas. “Ainda assim, as autoridades acreditam que, a determinada altura, o controlo mais apertado e a imposição de penas mais rígidas para quem pisar o risco de Pequim vai acabar por deter os ativistas”, antecipa o correspondente do Financial Times em Hong Kong.

Identidades 

Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow são os rostos de uma geração que nasceu perto ou depois de 1997, quando Hong Kong deixou de ser uma colónia britânica para se tornar uma região administrativa especial chinesa. Os três fazem parte da fação que contesta a autoridade do Continente. Em 2014 foram protagonistas do maior desafio político a Pequim – desde Tiananmen, em 1989 -, com aquela que ficou conhecida como a “revolução dos guarda-chuvas”. 

A manifestação visava a proposta do Governo central para a eleição do Chefe do Executivo. Pequim contemplava a votação direta para o líder do Executivo, mas com uma ressalva: só iriam a votos os candidatos previamente escolhidos por uma comissão eleitoral composta na sua maioria por membros próximos do Partido Comunista Chinês. O detalhe levou milhares de pessoas, sobretudo jovens, para as ruas num protesto que paralisou o centro urbano de Hong Kong, durante quase três meses. 

Nathan Law, então com 23 anos, chegou a ser eleito e tornou-se deputado mais novo em Hong Kong. Assim como outros cinco escolhidos pela via direta, foi desqualificado meses mais tarde por usar os juramentos no hemiciclo para protestar contra Pequim.

“Esta geração tende, surpreendentemente, para uma identidade mais local do que nacional”, explica Chong.

Já Ben Bland considera que há uma espécie de “vazio identitário” que caracteriza a geração pós-transição e a afasta das gerações precedentes. Ao contrário dos pais e dos avós, os jovens de hoje não têm uma ligação forte com a China continental e também não se reveem na Hong Kong dominada pelos britânicos. “Perante esse vazio de identidade, muitos cresceram com a convicção de que eram os primeiros e principais cidadãos de Hong Kong”, refere.

Uma identidade que para Bland tem sido alimentada e ameaçada pelo crescente conflito político entre Pequim e Hong Kong. “No seio desta geração, há diferentes perceções e visões do que significa ser de Hong Kong. Mas sinto que muitos estão unidos na vontade de proteger as liberdades e a cultura da cidade.”

Para Eric Chong – que também tem como objeto de estudo os novos grupos de jovens que estão contra a política da educação patriótica – a relação com o Continente e o Governo central piorou desde que C.Y Leung foi Chefe do Executivo. “Impor a identidade nacional e local, e reivindicar que os jovens não são suficientemente patriotas parece não estar a resultar”, considera.

Ainda assim, continua, é errado falar da geração pós-transição como se fosse uniforme. “Continua a haver jovens sem um grande sentido de dever cívico. E também não podemos esquecer os que apoiam a identidade nacional por causa das origens ou porque tiveram uma educação pró-Pequim nas escolas públicas que frequentaram”, realça.

A divisão mantém-se na forma como lidam com os problemas. A dificuldade em encontrar trabalho, de mobilidade social e de progressão na carreira, a juntar à dificuldade em comprar ou arrendar casa são alguns dos dilemas de uma geração dividida entre os que se conformam e os que se insurgem contra o ‘status-quo’. Os que sentem que podem mudar a situação veem na democracia a solução. “Acreditam que um sistema democrático pode alterar a conjuntura porque sentem que o Governo não os representa.”

O Governo central, o Executivo de Hong Kong e os magnatas da região com influência sobre o poder político são os alvos de uma geração revoltada com a ausência de perspetivas. “É uma batalha gigante tendo em conta o tamanho, o poder e o dinheiro do lado oposto. Resta-lhes reivindicar por valores como a democracia, o estado de direito, a liberdade, os direitos humanos e a justiça social, e tentar mobilizar o resto da população para se juntarem à sua causa”, diz Chong. 

Em Macau, também há uma geração pós-transição, com cerca de 20 anos, mas muito díspar da que vive na região vizinha. “Não partilhamos a mesma história e a maioria dos nossos residentes não sente a mesma frustração face à reunificação (com o Continente). Mal vejo os nossos líderes fazer mais que murmurar perante as injustiças”, salienta Scott Chiang.

A comparação entre as duas cidades é, por norma, inevitável. Ambas são regiões autónomas especiais administradas sob o princípio “um país, dois sistemas” e tiveram ligações a países ocidentais. Hong Kong deixou de fazer parte da Grã-Bretanha em 1997, e Macau em 1999, depois de séculos sob a administração portuguesa. Vivem lado a lado, mas são distantes na forma como se relacionam com o ‘status quo’. Não é por acaso que Macau mereceu o título de “bom aluno” face a uma Hong Kong apelidada de “rebelde”.

“Há frustração e tensão na nossa população, mas não há maneira dessa pressão se tornar numa força que possa resultar numa viragem. Podem dizer que a eleição de Sulu Sou [antigo vice-presidente da Novo Macau] foi um momento decisivo para uma mudança real, mas ainda há tanta coisa por fazer”, lamenta Scott Chiang, que foi a cara da Novo Macau durante dois anos.

O ano D.

O modelo “um país, dois sistemas” define que Pequim tem soberania sobre Hong Kong e Macau, mas confere às regiões um certo grau de autonomia que permite, por exemplo, várias liberdades que não existem no Continente. O sistema económico capitalista, a independência dos tribunais e a liberdade religiosa e educativa são características intocáveis, contidas na Lei Básica que reúne as normas que tutelam o funcionamento político de Macau e Hong Kong durante os primeiros 50 anos após a passagem para a administração chinesa. Será em 2047 para Hong Kong, e em 2049 no caso de Macau, que se decidirá o futuro das regiões autónomas. Scott Chiang entende que pouco mudará antes, tendo em conta a “conjuntura atual” e a “mentalidade do regime”. 

Resta saber o que vai mudar depois, quando os jovens de hoje já tiverem nas mãos as rédeas das cidades. “Teremos uma sociedade civil capaz de discutir e apoiar o movimento que quer ter mais poder de decisão sobre o nosso destino? Esse é o grande desafio que esta geração vai enfrentar. O que fizermos ou não fizermos agora vai decidir o destino das regiões no pós-2047 e 2049”, vinca.

Ben Bland, que também colabora com publicações como o The Economist e o The Daily Telegraph, relembra que, muitas vezes, o conservadorismo acaba por aparecer com a idade. “Veremos se isso acontece com esta geração. A minha sensação é que o Continente vai querer reforçar a parte de ‘um país’ sobre os ‘dois sistemas’. Os desafios para Hong Kong vão surgir antes de 2047”, prevê.

Para Eric Chong poderá haver espaço para mais reformas políticas, incluindo a implementação do sufrágio universal para eleger o Chefe do Executivo, se Pequim e o Governo de Hong Kong derem ouvidos à população em vez de “imporem a identidade nacional, e forçarem os sentimentos de pertença à República Popular da China e de patriotismo”. 

Ainda assim, não deixa de mostrar preocupação com o futuro da cidade depois de declarações como as que fez recentemente o antigo Chefe do Executivo de Hong Kong. “Quando C.Y. Leung defende que matar alguém em nome de um país não é ilegal só desajuda a que haja confiança nessa ideia de identidade nacional ou sentimento de pertença ao Continente, e deixa por terra a ideia de que são os jovens de Hong Kong que não são patriotas. Só vêm criar mais obstáculos.”

Joshua Wong, Nathan Law e Alex Chow já disseram que não vão desistir. E Pequim também já mostrou que não os vai deixar pisar o risco, como realça Ben Bland. “A China preocupa-se seriamente com qualquer ameaça de separatismo nas suas fronteiras. Hong Kong parece ter passado a estar na lista de preocupações.”  

Sou Hei Lam

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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