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Central para as indústrias criativas

desenvolvimento das indústrias criativas “é uma política prioritária” na ação do Executivo, assegurou o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam quando a 1 de Abril inaugurou o Centro Pedagógico e Científico para as Indústrias Culturais e Criativas do Instituto Politécnico de Macau. O PLATAFORMA visitou esta semana esse novo espaço, no Campus da Taipa, onde a azáfama criativa se pode adivinhar nas pinturas a óleo, ainda a meio, mas também nas esculturas alinhadas a um canto, ou nas peças de cerâmica expostas logo à entrada.

Nos edifícios que o IPM herdou, após a mudança da Universidade de Macau para a Ilha da Montanha, estão previstas obras de renovação mais ou menos complexas, que serão levadas a a cabo, de forma faseada, nos próximos dois anos. Este novo centro, que terá cerca de 200 metros quadrados e um enorme pé direito na sala maior – duas outras, menores, estão para já reservadas a atelier de artes plásticas – também será objeto de obras de renovação, mas começou imediatamente a funcionar de forma provisória, dada a escassez de espaço que o IPM sentia, para este tipo de atividades, na antiga sede sita na península de Macau.

Stephen Chung, professor de design e artes visuais, explica em detalhe as várias valências que o espaço permite, entusiasmado com um potencial que, por ser tão grande, considera que não deve sequer ser um direito exclusivo dos alunos do Politécnico. Queremos ajudar “outras pessoas” a entrarem nesta área, dando-lhes espaço de trabalho e acesso a ferramentas que lhes permitam conceber produtos culturais e criativos. Mas há também preocupações no campo do marketing, da publicidade, das vendas, ou até dos financiamentos prévios, para que os jovens percebam melhor os mercados de escoamento e a gestão de uma carreira que pode ser muito difícil numa cidade onde, apesar do novo discurso político, o Mercado parece demasiado exíguo, mesmo contando com os turistas. Não há em Macau História, experiência nem cultura de negócios que valorize os produtos criativos, confessa Stephen Chung, defendendo uma estratégia de produção focada na exportação (ver entrevista neste suplemento).

Alexis Tam, que várias vezes tem repetido o seu compromisso com o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas, projeta para o grande público um dos guiões mais queridos do norte político, central no discurso global da diversificação económica da Região Administrativa Especial. A tarefa é difícil e tem levantado muitas vozes críticas, que se mostram sobretudo dececionadas com a falta de um rumo claro para as indústrias criativas ou a ausência de critérios na atribuição de fundos e apoios monetários. Sendo nova como prioridade, a área das indústrias criativas é muitas vezes mal percecionada e os seus conceitos são muiotas vezes mal entendidos.

O secretário reconhece o problema do empreendedorismo e a necessidade de se reforçar as componentes de marketing e do negócio, no sentido de se transpor uma barreira: das artes lúdicas para a indústria e a diversificação. A cooperação entre diferentes serviços governamentais, potenciando políticas de apoio ao setor, é outro dos lemas de Alexis Tam, que após a primeira reunião do Conselho Consultivo para as Indústrias Criativas, ao qual preside, emitiu uma nota oficial na qual promoteu empenho na aquisição e promoção de produtos artísticos e culturais locais, bem como no alargamento e aproveitamento de espaços para exibição de produtos artísticos, nomeadamente nas instituições de ensino superior.

Na posse de um espaço que antes não tinha, só possível depois da mudança da Universidade de Macau para a Ilha da Montanha, o IPM alinha nesta estratégia oficial e procura, também por esta via, atrair os jovens de Macau para um Mercado com pouco história mas, diz quem acredita, muito potencial. Lei Heong Iok, presidente do IPM, considera que novo centro vem “apoiar a formação de quadros qualificados e necessários para estas indústrias”, promovendo estudos relativos ao desenvolvimento estratégico das mesmas indústrias no longo prazo”. Em nota emitida no mês passado, no dia da inauguração do novo espaço, o IPM esclareceu que a estrutura “funcionará ainda conjuntamente com outras unidades pedagógicas e científicas do IPM para promover o desenvolvimento articulado, especialmente com a Escola Superior de Artes”. Diz a coordenadora do centro, Hsu Hsiu-Chu, citada no mesmo comunicado, que “o objetivo é promover as atividades pedagógicas e científicas da criatividade cultural, especialmente investigações científicas sobre o rumo do desenvolvimento das indústrias culturais e criativas de Macau, a avaliação dos projetos relativos à incubação e à formação de quadros”.

Macau já vive uma agenda cultural intensa, mas mas no que toca às indústrias criativas “ainda temos de trabalhar muito para fazer crescer a qualidade e construir uma reputação para esse tipo de produtos”, reconhece Stephen Cheung, professor de design e artes gráficas, que conduziu o PLATAFORMA por uma visita guiada ao novo Centro Pedagógico e Científico para as Indústrias Culturais e Criativas do Instituto Politécnico de Macau, no Campus da Taipa

PLATAFORMA – Qual é a importância deste espaço para a promoção das industrias criativas no IPM ?

Stephen Cheung – Estamos muito contentes por ter espaço no Campus da Taipa. Desde início dos cursos de design e de artes visuais ambicionávamos um espaço maior e com este potencial. Agora temos a oportunidade de trabalhar em outras condições e potenciar a formação nas indústrias criativas. Para além das zonas de pesquisa e de trabalho, com mesas, estiradores e material de apoio, estamos a pensar erguer aqui uma parede digital, onde será projetada toda a informação. Estamos também a programar uma zona de exposição para os mais diversos trabalhos artísticos, desde o design de moda às artes plásticas. Tudo isto está ainda em estudos preliminares, mas outra das áreas que estamos a prever será destinada à investigação, ao desenvolvimento e à inovação.

– Este espaço funcionará como uma espécie de estúdio, de livre acesso e fomento da expressão artística; ou antes como atelier, controlado pelos professores, para as aulas práticas?

S.C. – O nome oficial deste espaço é Centro Pedagógico e Científico para as Indústrias Culturais e Criativas do Instituto Politécnico de Macau. O desenho conceptual não passa ainda de um esquisso das muitas ideias que estamos a discutir. Para além da sua vertente prática e experimental, esta fase inicial de reflexão sobre a melhor forma de intervir neste espaço tem como base a procura de soluções que respondam também às necessidades do ensino, sobretudo nos cursos de design e de artes visuais.

– Um espaço destes implicará mudanças na própria estrutura dos cursos e nos planos curriculares?

S.C. – Estamos a rever a estrutura dos próprios cursos, no sentido de os adaptar à nova realidade de Macau. A verdade é que estes cursos foram desenhados numa altura em que não havia esta ambição no campo das indústrias criativas; logo, faz todo o sentido aproveitar este momento para repensarmos os próprios currículos, introduzindo novas disciplinas.

– Quais são as áreas que podem ser exploradas neste novo centro?

S.C. – No campo das artes visuais temos a pintura, incluindo a pintura tradicional chinesa, a escultura, a cerâmica e a gravura: seda, madeira, etc. No curso de design apostamos sobretudo nas artes gráficas, marketing e publicidade, multimedia, novos media e 3D.

– Quantos estudantes estão inscritos nestes cursos?

S.C. – Mais de 300

– Esse número tem-se mantido estável? Ou nota-se alguma tendência de crescimento, tendo em conta o discurso oficial de promoção das indústrias criativas?

S.C. – Penso que estes cursos podem atrair mais gente. Contudo, com a queda na taxa de natalidade [pico há duas décadas], a população estudantil está nesta altura a decrescer. Mesmo assim, temos um número estável de alunos e conseguimos manter três turmas de design, com cerca de 25 alunos cada. Nas artes visuais e na música mantivemos também uma turma em cada uma delas, como 25 alunos por turma estabelecido como teto ideal.

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– Esse interesse tende a aumentar?

S.C. – Cada vez mais jovens no ensino secundário começam a perceber que a política do Governo pode abrir novas portas ao futuro das indústrias criativas. O que eu noto é que esse interesse está a crescer e que cada vez mais jovens aparecem a perguntar-nos pelos cursos. Mas tudo está ainda muito no início. Não é ainda muito óbvio, mas o interesse está a aumentar.

– Pensando agora no corpo docente… Haverá em Macau massa crítica suficiente para dar resposta às novas exigências?

S.C. –  São precisas alterações na Lei do Ensino Superior. Precisamos de mais massa crítica e de professores especializados. A maioria das pessoas em Macau pratica a arte como uma espécie de hobby, na melhor das hipóteses a tempo parcial. Têm os seus empregos e depois aproveitam o pouco tempo disponível para as artes e os produtos culturais. Isso não é bom.

– É preciso artistas a tempo inteiro…

S.C. – Oh, sim! De outra forma não podemos querer um desenvolvimento saudável; muito menos falar numa indústria.

– Se ninguém compra nada se vende… Como é que se se pode promover a dedicação exclusiva antes de saber se há mercado para este ou aquele produto?

S.C. – As indústrias culturais e criativas estão apenas a começar e os equipamentos disponíveis em Macau não são grande coisa; mesmo quando comparados com Zhuhai, quanto mais Hong Kong. Por outro lado, não podemos depender apenas do mercado local, que é demasiado pequeno. Temos de perceber onde está o mercado; ou seja, onde vamos vender os produtos que eventualmente podemos criar em Macau.

– Onde está esse mercado? Na China?

S.C. – Em boa verdade deveríamos pensar no mundo inteiro – incluindo a China. O que me parece é que a aposta deve ser feita na exportação, embora haja um mercado turístico.

– Lojas turísticas?

S.C. – Deviam espalhar-se por todo o lado, transformando Macau num enorme centro comercial para as indústrias criativa.

– Fará sentido uma zona especial para as indústrias culturais e criativas; por exemplo nos bairros antigos, como fizeram em Pequim?

S.C. – Primeiro temos de criar uma imagem para as indústrias criativas, não importa qual seja. Macau começa a ter muitas atividades culturais, mas no que toca às indústrias criativas ainda temos de trabalhar muito para fazer crescer a qualidade e construir uma reputação para esse tipo de produtos. Isso ainda não existe.

– Quais são as principais dificuldades dos seus alunos quando acabam o curso e tentam entrar no mercado de trabalho?

S.C. – É fácil encontrar emprego em Macau, porque há escassez de mão de obra. Difícil é conseguir trabalhar nestas áreas. Quem quer uma carreira nas indústrias criativas encontra ainda muitas dificuldades. As rendas são muito altas e a falta de espaço também dificulta muito as coisas. Não há uma história na cidade; não há tradição, nem experiência, e a cidade não é conhecida por isso. Estamos a começar o caminho e estes projetos levam muito tempo.

– Para além das aulas teóricas, e deste centro de formação, será possível cruzar noções de gestão e de comércio? No fundo fomentar o empreendedorismo, cuja falta tem sido apontada como grande pecha em Macau…

S.C. – Essa é uma grande questão e esse é um problema que temos de contornar em Macau. Do ponto de vista académico, a educação é um caminho longo, que não começa nem termina na universidade. Se queremos mesmo fomentar as indústrias criativas, temos de começar a educar os gostos logo no ensino primário e secundário; precisamos de chegar aos miúdos ainda em tenra idade. Por outro lado, são precisas atividades complementares, de curta duração, que possam ser frequentadas ao longo do percurso escolar e académico.

– Cursos, esses, focados no empreende-dorismo?

S.C. – A preparação para o empreendedorismo é muito importante, porque as mentes criativas normalmente não sabem nada de marketing ou de gestão de projetos. Mas têm de aprender a perceber onde está o seu mercado, caso contrário surgem produtos que ninguém quer, o que é um problema. Antes de criarem seja o que for devem fazer estudos e perceber quem vai comprar os produtos nos quais estão a pensar. É muito importante perceber isso.

– Farão sentido o mercado chinês de proximidade – Delta do Rio das Pérolas – e os Países de Língua Portuguesa? No fundo, cruzando os guiões políticos da integração regional e da plataforma lusófona como os mercados de exportação para as indústrias criativas?

S.C. – Faz todo o sentido. Concordo com essa visão, porque se Macau pode ser uma plataforma para os Países de Língua Portuguesa isso deve obviamente incluir as indústrias criativas. Aliás, é muito importante aproveitar essa vantagem competitiva. Ainda na semana passada tivemos um encontro em Shenzen e foram eles que se referiram às vantagens da plataforma lusófona de Macau, percebendo que pode estar em causa um grande mercado de exportação. Conhecem a questão e consideram que Macau pode fazer a ponte para esses mercados de língua portuguesa, não importa de que região da China possam vir o investimento e/ou os produtos. 

– Como se pode empurrar a juventude de Macau para o empreendedorismo?

S.C. – É muito importante preparar os jovens que se envolvem nas indústrias criativas para que percebam o mundo dos negócios. A experiência diz-nos que vão sempre enfrentar muitas dificuldades, começando pelas rendas altas e pela dificuldade em encontrar espaços, quer para trabalhar quer depois para exporem os produtos. Por outro lado, muita gente não faz a mínima ideia de como se aborda um investidor ou de como se pode encontrar financiamento para este ou aquele projeto. A maioria dos jovens que encontramos nestas áreas gosta mais de criar; não estão focados no lado do negócio. A verdade é que também não têm formação nem experiência para lidar com financiamentos nem para desenvolver o marketing e as vendas. Este é um ponto em que o Governo devia ajudar mais.

– Como?

S.C. – As indústrias criativas têm muita dificuldade em encontrar investimento. Os bancos, por exemplo, não gostam de emprestar sem garantias e, nestas áreas, faltam muitas vezes os dados do negócio que são precisos: história da empresa, planos de negócios, estudos de mercado, projeção de lucros… Muitos novos projetos, sejam eles pequenos ou grandes, não conseguem compilar os dados que são precisos para se decidir um investimento.

– Há um fundo governamental para as indústrias culturais e criativas, embora seja alvo de muitas queixas em relação aos seus critérios e formas de funcionamento. Na sua opinião está a funcionar bem?

S.C. – Está a funcionar, mas ainda para uma pequena parte da população. As pequenas empresas ainda continuam com muita dificuldade em encontrar financiamento.

– Os estudantes queixam-se dessas dificuldades?

S.C. – Alguns queixam-se. Mas, na realidade, são poucos os que conhecem o problema e estão preocupados em resolvê-lo.

– Neste contexto, o que pode este centro trazer de novo?

S.C. – São várias as direções que queremos seguir; fundamentalmente, queremos ajudar os alunos a vingarem nas indústrias criativas; quem sabe criando o seu próprio negócio. Através da educação e do ensino queremos melhorar a situação atual, queremos que os nossos jovens tenham a cabeça limpa e capacidade para vencer no mercado de trabalho. Queremos também reformar os nossos programas educativos e adaptá-los à nova realidade e aos desígnios de Macau, nomeadamente no campo das indústrias criativas. Por fim, não há qualquer reforma educativa especialmente pensada para esta área e penso que é tempo de pararmos para pensar nisso. Naturalmente, é um objetivo de longo prazo; talvez daqui a uns dez anos as coisas sejam diferentes.

– Quais são as traves mestras dessa reforma educativa?

S.C. – Para já, tem de ser feita passo a passo, porque temos ainda muitas limitações. Por outro lado, a Lei do Ensino Superior tem mais de 20 anos e, ano após ano continuamos à espera que seja modernizada. Isso cria dificuldades no progresso educativo, nomeadamente na contratação de professores. Queremos também criar uma incubadora de projetos, mas todo o plano ainda está em desenho.

– Este espaço será de acesso exclusivo aos alunos do Politécnico?

S.C. – Espero que não; um espaço destes deve ser aberto ao público, não deve ser só para os estudantes. Queremos apoiar outras pessoas.

Nos vários debates públicos sobre a matéria nota-se que há ainda muitas dúvidas e perceções erradas do que são as indústrias criativas. Como se pode defina-las, no contexto atual de Macau?

S.C. – A primeira coisa na qual devemos apostar é na investigação. Temos de saber quais são os problemas, de que forma podem ser resolvidos e em que direção Macau deve seguir em frente. Nesta altura não há estudos académicos nas áreas das indústrias culturais e criativas, que são fundamentais para pensarmos no futuro. As dificuldades são muitas mas podemos conseguir, se quisermos mesmo ir até ao fim. O problema é o de perceber quanto tempo vamos demorar.

– Uma geração?

S.C. – Talvez… Porque as circunstâncias de Macau, comparado-as com as de outras províncias, não são muito boas. Podemos fazê-lo; temos é de começar a tomar as opções certas.

Paulo Rego

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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