Dez anos passaram da morte do Nobel José Saramago. São dez anos de ausência física, mas o seu legado jamais desaparecerá. Por isso mesmo muitos milhões continuam a lê-lo todos os dias, uma forma de o recordar e de o homenagear. A sua Fundação, com sede em Lisboa, é isso que tem feito desde sempre e hoje, num dia especial, haverá direito a uma celebração, também ela limitada pela pandemia de Covid-19. Mas os planos para os próximos anos, esses, serão também muitos especiais
Haviam várias iniciativas preparadas para recordar os dez anos da sua morte. A pandemia, contudo, deu a volta ao mundo e, claro está, à Fundação que tem o seu nome. Sérgio Machado Letria, diretor da instituição, contou ao PLATAFORMA o que está preparado para este dia 18 de junho, ainda antes de revelar outros planos futuros.
“Este é um dia complicado, que nós não celebramos pois deixámos de ter fisicamente connosco o homem, o escritor. É um dia que nos traz sempre sentimentos estranhos, mas também é um dia que não deixamos nunca de assinalar. Este ano haviam coisas preparadas, estava em cima da mesa a estreia de uma nova peça, mas infelizmente com toda esta situação que estamos a viver ainda, tudo isso teve de ser adiado ou cancelado. Assim optámos por fazer aqui na Fundação, a partir das 18.30, uma leitura do último livro que José Saramago escreveu e estava a escrever, um romance incompleto, chamado “Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas”. Convidámos três atores, Tiago Rodrigues, André Levy e Joana Manuel, que vão fazer essa leitura das últimas palavras literárias que José Saramago nos deixou. Com esta iniciativa e outra que terá lugar em Lanzarote, ele que teve essa relação tão próxima com essa terra das Canárias, celebraremos a vida de José Saramago”, contou Sérgio Machado Letria, salientando que também a Fundação não esqueceu quem tanto precisa nestes tempos de pandemia.
“Também tivemos de estar fechados dois meses e fomos acompanhando com preocupação todas as pessoas e em especial as da área cultural, fomos ouvindo os ecos dos trabalhadores da área da cultura, que o mais que iam ouvindo neste meses era a palavra ‘Cancelado’. Então, quando retomámos a atividade, no dia 18 de maio, e em parceria com a Maple Live, já tivemos um ou dois concertos. Vamos ter mais iniciativas e em nenhuma delas a Fundação receberá qualquer valor da bilheteira, esse reverte na totalidade para os músicos, atores, que estão a fazer esse trabalho, e ainda para um fundo. É uma forma de estarmos ao lado de todas essas pessoas que estão a viver situações complicadas”, referiu o diretor da Fundação José Saramago.
Esta instituição nasceu em 2007, com José Saramago, Nobel de Literatura em 1998, ainda vivo. Desde então e até ao momento a Fundação tem vivido, na mesma, sobre a ‘sua batuta’. “Temos uma declaração de princípios que José Saramago escreveu quando a Fundação foi criada e nela está a seguinte frase: a Fundação não nasceu para contemplar o umbigo do autor. Por isso temos três áreas de trabalho definidas pelo próprio José Saramago, que são a cultura, direitos humanos e ambiente e é por aí que temos desenvolvido o nosso trabalho. Naturalmente sendo uma Fundação com o nome de José Saramago, e sendo ele o escritor que é, tendo deixado uma obra tão rica e tão desassossegadora, na medida que nos coloca questões tão atuais, é óbvio que estamos também muito ativos no que respeita ao trabalho em torno dessa mesma obra”, afirmou.
Declaração Universal dos Deveres Humanos
“Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa começar a tornar-se um pouco melhor“. Este é um excerto dos discursos de José Saramago aquando da entrega do Nobel da Literatura. E foi também a inspiração para a “Carta Universal dos Deveres e Obrigações dos Seres Humanos” que foi apresentada às Nações Unidas, em 2018. A sua Fundação não tem mãos a medir face à sua obra literária, mas este é o grande projeto que todos querem ver concluído.
A Carta, que já está disponível online, está estruturada em 23 artigos que reúnem uma ampla gama de deveres para as pessoas, desde o de não discriminar até ao de respeitar a vida, passando por obrigações como o respeito da liberdade ideológica e religiosa e a participação nos assuntos públicos. Sérgio Machado Letria revela ao PLATAFORMA que esta sempre foi uma luta de Saramago e que a Fundação pretende agora concluir.
“Ao nível dos direitos humanos temos este projeto extraordinário, que é a Declaração Universal dos Deveres Humanos. Já tivemos a oportunidade de a apresentar na ONU, em Nova Iorque, em 2018, e a ideia agora é conseguirmos o máximo de adesões a esse documento para que depois ele possa ser de facto discutido na ONU e possa ser adotada enquanto documento das Nações Unidas. Concluir até 2022, altura do centenário de Saramago? Seria uma prenda excelente, mas sabemos que este tipo de propostas demora o seu tempo”, disse, salientando, contudo, que há outros planos, em Portugal, para esta Carta.
“O interesse também passa por outras formas de o divulgar, por exemplo ao nível das escolas em Portugal. Seria para nós muito interessante, e temos tido alguns contactos nesse sentido, de a poder integrar por exemplo em programas curriculares”, concluiu.
Refira-se que também para este ano estava inicialmente marcada a estreia do filme “Ano da Morte de Ricardo Reis”. A longa-metragem, da qual há já um trailer, é realizada por João Botelho, que fez uma adaptação para cinema do livro publicado em 1984 pelo escritor português.