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Residência por investimento não resolve economia

O mercado imobiliário de Macau atravessa a sua pior fase em 40 anos, com uma queda de 17% no valor da habitação desde 2019. Para travar a descida, debate-se o regresso do programa de residência por investimento, que trouxe milhares de milhões para o mercado, mas também foi responsável pela incapacidade dos residentes em adquirir casa própria. Académicos, associações cívicas e o próprio setor imobiliário pedem um regime mais abrangente

Viviana Chan

O regresso do Regime de Fixação de Residência, que vigorou entre 2000 e 2007, é uma proposta do setor imobiliário, que defende a necessidade de estimular a economia. “Neste momento, Macau não tem ‘dinheiro fresco’. Se os residentes não tiverem confiança na cidade, será muito difícil relançar a economia”, afirma Franco Liu, diretor-geral da agência imobiliária Savills (Macau) Limited e vice-presidente da Associação Geral do Sector Imobiliário de Macau.

Os interessados tinham de fazer um investimento mínimo de um milhão de dólares de Hong Kong em imóveis. A partir de 2005, passou-se a exigir um grau académico superior, depósito fixo de 500 mil patacas durante sete anos e foi restringido o número de familiares abrangidos – o que não abrandou a procura. Entre 2000 e 2007, as autoridades atribuíram 57 mil residências ao abrigo do programa, que trouxeram para o mercado mais de 10 mil milhões de patacas em investimento.

O Governo suspendeu o programa em 2007, justificando a decisão com o sobreaquecimento do mercado imobiliário, o aumento descontrolado dos preços da habitação e a pressão administrativa causada pelo elevado número de candidaturas, algumas com irregularidades.

Franco Liu admite que as condições atuais são muito diferentes das observadas em 2000, sendo improvável que volte a ser possível obter residência em Macau com um investimento de apenas um milhão de dólares de Hong Kong. Segundo o responsável, o novo programa de Hong Kong mostra que é possível atrair investimento sem alimentar a especulação imobiliária – mínimo de 30 milhões de dólares de Hong Kong, dos quais 27 milhões devem ser aplicados em ativos não residenciais. Apesar dessa restrição, defende que a medida conseguiu revitalizar o mercado de arrendamento.

Investimento inteligente

Lou Shenghua, docente de Ciências Sociais da Universidade Politécnica de Macau, apela à prudência, alertando para o risco de subida dos preços da habitação e agravamento das tensões sociais. Ao PLATAFORMA, o académico sublinha que “o principal beneficiado com o relançamento do programa de imigração por investimento será o setor imobiliário, o que poderá gerar emprego no setor, mas pouco contribuirá para dinamizar o consumo interno”.

E admite que, num momento de desaceleração do mercado, a proposta pode parecer apelativa, mas defende que deve ser tratada “com cautela”. “Os imigrantes por investimento podem entrar em conflito com os residentes locais em matéria de acesso a benefícios sociais e contribuir para o aumento dos preços da habitação, tornando ainda mais difícil a aquisição de casa própria por parte da população local”, sublinha.

Segundo o académico, o contexto atual é substancialmente diferente: “A economia do jogo ainda está em recuperação, os rendimentos dos residentes cresceram pouco e a oferta habitacional é superior à de então.”

Analisando a situação atual do mercado, nota que o Governo apenas eliminou o imposto do selo adicional e reduziu o rácio empréstimo-valor, “mas não introduziu políticas concretas para incentivar a compra de habitação por residentes locais”. Defende, por isso, a implementação de medidas de estímulo dirigidas ao comprador local, bem como a criação de programas de reconversão profissional para agentes imobiliários afetados pela crise no setor.

A Associação Poder do Povo apresentou, em junho do ano passado, uma carta ao Governo a contestar abertamente o possível regresso do programa. Em declarações ao PLATAFORMA, Lam Weng Ioi, presidente da associação, afirma que o regime “não é mais do que uma venda disfarçada de cartões de residente de Macau”, argumentando que não só inflaciona os preços da habitação, como contraria a “política nacional de habitação para habitar, não para especular”.

Lam considera ainda que o modelo “só beneficiará os grandes promotores imobiliários detentores de vastos portfólios de imóveis, sem qualquer benefício real para os residentes locais”.

Sobre a possível sobreposição entre imigração por investimento e os programas de captação de quadros qualificados, Lou admite que “muitos países e regiões recorrem a ambos – atração de talentos e investimento – para reforçar a população ativa e captar capital estrangeiro”. No entanto, defende que “a política de imigração por investimento deve assentar não apenas na aquisição de imóveis, mas numa lógica mais abrangente de investimento produtivo”.

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