Assiste-se a uma “guerra” entre Estados-membros que querem banir empresas chinesas do 5G com base no argumento da segurança, entre os quais Portugal, e a Huawei que considera tratar-se de uma questão política e não técnica, dado que quem tem acesso às redes de comunicações são os operadores.
A Huawei é uma empresa detida pelos funcionários e não opera sob a influência do governo chinês. Esta foi uma das mensagens que a empresa procurou transmitir ao organizar, na última quinta-feira, uma visita da imprensa portuguesa ao Centro de Cibersegurança e Transparência da Huawei, localizado em Bruxelas, Bélgica. A par de uma outra, muito importante: a de que é apenas um fornecedor e que não opera qualquer rede de telecomunicações. A empresa afirma mesmo que a segurança é uma responsabilidade partilhada entre operadores, clientes e supply chain.
O objetivo da visita foi dar a conhecer a política de cibersegurança da empresa – a Huawei afirma ter um modelo baseado na abordagem zero trust -, mostrar o Centro de Cibersegurança e Transparência, e responder a todas as questões colocadas. Transparência. Esta parece ser a política adotada pela empresa chinesa que considera que as questões que estão em cima da mesa – a restrição ou exclusão por parte de alguns Estados-membros dos seus equipamentos, entre os quais se incluem Portugal – deve-se a questões políticas e não a questões técnicas como a segurança. Mesmo porque, como referiu Colm Murphy, Senior Cybersecurity Advisor da Huawei, no setor das telecomunicações a Huawei é das empresas mais auditadas e inspecionadas do mundo.
Isto poucas horas antes de a Comissão Europeia ter emitido um comunicado em que afirma que “as decisões adotadas pelos Estados-membros para restringir ou excluir a Huawei e a ZTE das redes 5G são justificadas e conformes com o conjunto de instrumentos para a cibersegurança das redes 5G”, acrescentando que, tendo por base uma vasta gama de informações disponíveis, “a Huawei e a ZTE representam, de facto, riscos substancialmente mais elevados do que outros fornecedores de tecnologia 5G”.
“Precisamos urgentemente de tomar novas medidas ao abrigo do conjunto de instrumentos da UE, nomeadamente adotar as restrições necessárias relativamente aos fornecedores de alto risco, a fim de garantir a segurança das infraestruturas críticas da União. Embora alguns Estados-membros tenham realizado progressos, o relatório hoje apresentado mostra que é preciso ir mais longe. A Comissão está a fazer o necessário para garantir a segurança das suas próprias redes e instrumentos de financiamento”, afirmou recentemente Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia responsável pelo programa “Europa Preparada para a Era Digital”.
A Comissão recomenda ainda (aos Estados-membros que ainda não aplicaram o conjunto de instrumentos) a adotarem urgentemente medidas pertinentes, como recomendado no conjunto de instrumentos da UE, a fim de dar uma resposta eficaz e rápida aos riscos colocados pelos fornecedores identificados. Margaritis Schinas, vice-presidente da Comissão Europeia, referiu mesmo que “este relatório deixa claro que as autoridades nacionais devem urgentemente aplicar as medidas do conjunto de instrumentos da UE para a cibersegurança das redes 5G na sua íntegra, a fim de proteger a segurança coletiva da UE. A conclusão destes esforços e, em especial, a identificação e restrição do acesso de fornecedores de tecnologia 5G de alto risco é vital para proteger a infraestrutura da União da Segurança.”
A Huawei já reagiu e fonte oficial da empresa afirmou que a empresa recusa os comentários feitos pelos representantes da Comissão Europeia. “É evidente que tal não se baseia numa avaliação verificada, transparente, objetiva e técnica das redes 5G”, afirma, acrescentando que a empresa compreende a preocupação da CE em proteger a cibersegurança na UE. E aponta para as consequências económicas e sociais de “restrições ou exclusões baseadas em juízos discriminatórios”. Algo que, segundo a empresa, “prejudicaria a inovação e distorceria o mercado da UE”. Baseando-se num relatório da Oxford Economics, a empresa aponta mesmo que a sua exclusão “poderia aumentar os custos de investimento na tecnologia 5G até dezenas de milhares de milhões de euros, o que teria de ser pago pelos consumidores europeus”.
Por outro lado, convém não esquecer que a “Huawei detém direitos processuais e substanciais e deve ser protegida ao abrigo da legislação da UE e dos Estados-membros, bem como dos seus compromissos internacionais”, acrescenta a mesma fonte.
Depois dos EUA, a Europa?
Tudo começou com a expulsão da Huawei do mercado norte-americano. Algo que fez “mossa” no negócio da empresa e a obrigou a reinventar-se e a procurar outras alternativas. Questionado sobre o possível cenário de expulsão da empresa do mercado europeu, Jeremy Thompson, Europe Cybersecurity and Privacy Officer da Huawei foi perentório: sobreviveremos. O gestor lembrou que a gigante chinesa sofreu vários choques nos últimos anos e deu como exemplo as consequências da saída do mercado norte-americano: prejuízos na ordem dos 25 mil milhões de dólares na área de consumo. “Tivemos que reinventar os nossos produtos com fornecedores europeus e asiáticos”, afirmou, acrescentando que o mercado europeu representa cerca de 18 a 19% da economia global – depois de já ter valido 25%. Em compensação, há mercados como as Filipinas, a Indonésia e a América do Sul com crescimentos elevados e que não confiavam na tecnologia americana – preferem a chinesa. Sem esquecer que a empresa está a entrar noutros mercados que não só as telecomunicações – como o automóvel ou a energia, só para dar dois exemplos.
O executivo apontou ainda que a Europa não tem uma única voz e que as opiniões estão divididas. Por outro lado, “a Comissão Europeia não tem competências para expulsar uma empresa com base na segurança”, afirmou, esclarecendo que isso é da competência dos Estados.
O certo é que a expulsão da Europa (mesmo que de apenas alguns países) vai dificultar ainda mais o negócio da empresa. Segundo o relatório anual de 2022 a região EMEA (Europa, Médio Oriente e África) representa 23% da faturação anual da Huawei. Sendo que, apesar de tudo, a empresa afirma que nunca abandonará os clientes. Isto no seguimento da afirmação, por parte de Jeremy Thompson, de que a posição portuguesa “aparenta ser mais restritiva”.
Qualquer que seja a decisão, a opinião é a de que a Huawei sobreviverá. Porque foi obrigada a reinventar-se quando saiu do mercado norte-americano, estando bem estabelecida em mais de 100 países. “A Europa parou de crescer”, apontou o executivo da Huawei, referindo que esta não acredita que as pessoas vejam a situação como problema de segurança. “É intergovernamental e geopolítico”, aponta.
Na mesma linha, Jaap Meijer, Cybersecurity and Privacy Officer, afirmou que “utilizam a segurança como argumento, que não é o real, seguindo uma tendência que tem vindo a ser feita há vários anos”. A questão é que “quem lidera é a Câmara de Comercio dos Estados Unidos”, refere Jeremy Thompson, acrescentando que, numa situação extrema, isto poderá levar a uma bifurcação da tecnologia, com os viajantes de negócios a terem de carregar vários telemóveis só para poderem fazer uma chamada.
Huawei reage
Argumentos da empresa contra a posição de Bruxelas
– A empresa faz um investimento elevado em I&D tem um papel ativo na segurança das telecomunicações, através da participação colaborativa em associações e plataformas.
– Tem um modelo baseado na abordagem zero trust.
– É um fornecedor de equipamento e não tem ou opera redes de telecomunicações. A segurança é uma responsabilidade partilhada entre operadores, clientes e supply chain.
– A Huawei é das empresas mais auditadas e inspecionadas do mundo. Tem um “registo limpo” nos últimos 30 anos.
– O capital social da empresa é detido pelos funcionários e não opera sob a influência do governo chinês.
– Restrição dos fornecedores não aumentará a segurança, mas o mais certo é resultar numa redução do desempenho das redes, assim como no aumento dos custos e no abrandamento da inovação através de programas de transformação digital e crescimento económico.