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Passados 10 anos, o que mudou?

Inês Lei

Foi feita a primeira ronda de consulta pública sobre o Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030), depois de em 2010 ter sido lançada a Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020). Fazendo uma retrospetiva da última década, foram as políticas e infraestruturas de transporte capazes de compensar o atraso? Conseguiu o Governo cumprir com o prometido? Quanto custou? Acima de tudo, será que este plano de transportes vai iniciar um novo capítulo para a cidade, ou será apenas um esquema antigo ainda por implementar?

A população de Macau vê nos planos de gestão de transportes em Macau o tratamento dos sintomas e não da doença. A liberalização da indústria do jogo trouxe um série de novos hóteis e casinos e 20 milhões de visitantes anuais. Reconhecendo o problema de trânsito que a RAEM sofria, o Governo de Macau criou em 2008 a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT).

Criada como uma equipa de bombeiros, enfrentava uma infinidade de obstáculos na área de transportes. Por essa razão, ao assumir o cargo, o então diretor dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, Wong Wan, iniciou uma série de reformas. Em apenas dois anos foram organizados vários estudos a longo prazo e delineadas medidas a curto prazo para dar resposta às necessidades da população. A longo prazo, uma das medidas foi a Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020), lançada em 2010, considerada por muitos como o primeiro plano sistemático de transportes da cidade em 400 anos.

Cumpridas todas as promessas feitas há 10 anos?

Revisitando a “Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020)”, a política de primazia dos transportes públicos parece estar no centro do plano. O documento menciona a “criação de uma rede rodoviária caracterizada por uma estrutura de duplo ciclo e duplo eixo”. Rhino Lam, contudo, acredita que os dois principais objetivos para os últimos 10 anos não foram atingidos, enquanto a publicação deste ano, o “Planeamento Geral de Transportes 2021-2030”, não menciona o “duplo ciclo e duplo eixo”.

“Quando a Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010- 2020) foi introduzida, foram apontadas uma série de direções relevantes, uma das quais incluía o metro ligeiro, como coluna vertebral do sistema de deslocações. Este plano foi completamente falhado. Atualmente, o metro ligeiro continua limitado à Taipa. A estrutura inicialmente promovida como ideal acabou por não se concretizar devido aos atrasos no projeto”, lembra o antigo membro do Conselho de Planeamento Urbanístico.

“Outro ponto também ainda por cumprir é a estrutura de duplo ciclo e duplo eixo, que deixa de ser mencionada 10 anos depois. Apesar de ser proposta, assistimos ao insucesso do projeto de autoestrada em Macau, ou seja, das suas principais estradas, enquanto a Quarta Ponte Marítima Macau-Taipa para o ‘duplo eixo’ continua em construção.” Rhino Lam afirma que um dos principais obstáculos do “duplo círculo e duplo eixo” é o sistema de metro ligeiro no valor de 10 mil milhões que causou tanto descontentamento entre a população, tanto devido ao seu custo como progresso.

Metro Ligeiro

A “Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020)” foi lançada durante a época gloriosa da economia de Macau, com reservas fiscais a atingirem as 508,8 mil milhões de patacas no final de 2018.

Em resposta a estes problemas sem precedentes na área dos transportes, o Governo decidiu apostar em força no metro ligeiro. Este transporte, considerado por muitos como o foco principal desse ano, ainda não tem ligação à Península de Macau. A única linha atualmente em operação é a da Taipa, que também tem causado alguma controvérsia. Em 2018, o Comissariado da Auditoria publicou um relatório de auditoria especial “Sistema de Metro Ligeiro – 4.º relatório”, onde afirma que em dezembro de 2017 apenas 9,3 quilómetros da linha da Taipa tinham sido completados. Em termos de custos de investimento, a primeira fase de construção do Metro Ligeiro passou de um custo estimado de 4,2 mil milhões de patacas em 2007, para 14,273 mil milhões em setembro de 2012.

Apesar disso, o Metro Ligeiro foi parte essencial da “Política Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020)”. Deverão as autoridades continuar a apostar neste sistema com a economia de Macau em recessão? O urbanista Rhino Lam acredita que é importante destacar a sua dependência do financiamento público. “Estamos sempre a discutir a quantidade de dinheiro que o projeto envolve, se este gasto vale a pena e se a promessa à população foi ou irá ser cumprida, trata-se de uma questão de integridade por parte do Governo. Eu arriscaria até a dizer que, caso a promessa fosse cumprida, dentro dos prazos, e sem despesas excessivas, a população de Macau não estaria tão renitente em relação ao Metro Ligeiro.”

Rhino Lam salienta ainda que a polémica à volta deste assunto não se limita aos problemas técnicos, mas sim à forma como o Governo implementa o projeto. A construção da Linha Oeste irá depender em certa medida da implementação da Linha Este. Caso as autoridades consigam completar a Linha Este a tempo e sem custos excessivos, Rhino Lam acredita que será possível, no futuro, iniciar a Linha Oeste. “Mas, se assistirmos a vários problemas na Linha Este, tanto na Taipa como nas restantes ilhas, receio que a população não dará as boas-vindas à construção destas rotas.”

Manuel Iok Pui Ferreira, também antigo membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, afirma que caso a Linha Este seja capaz de criar uma ligação à Zona A dos Novos Aterros Urbanos e Portas Do Cerco, poderá ser possível aliviar algum do tráfego criado por residentes e turistas e atribuir um valor real ao Metro Ligeiro. Já no que diz respeito à Linha Oeste, demonstra alguma renitência. “Não se trata de algo capaz de ser concretizado apenas pela DSAT, é um projeto que envolve controlo de cheias, conservação de uma série de edifícios históricos e cais, assim como prevenção de catástrofes. Por isso, deve envolver um estudo aprofundado da linha. A única forma de oferecer à população alguma prova de legitimidade é através de uma consulta pública, caso contrário não passará de uma linha tracejada numa folha de papel. Não é possível, apenas com alguns números, afirmar que o projeto será completado dentro dos próximos anos. Sem outros dados de apoio ou resultados concretos acredito que a população não ficará convencida”, atesta.

Para o professor Meng U Ieong, que leciona administração pública na Universidade de Macau, considerando o historial de “atrasos e custos excessivos” em quase todos os grandes projetos públicos em Macau, é difícil dizer “o que é que oferece aos departamentos responsáveis a confiança de que a construção da Linha de Taipa será completada até à Estação da Barra em 2024, e depois completada até 2025 a construção da Linha Seac Pai Van e Linha de Hengqin.” O professor acredita que a construção deste sistema de transportes deve ser interrompida de imediato, e a Linha de Taipa já concluída transformada numa linha turística.

A Promessa Perdida – Ciclovia ainda por existir

O transporte por bicicletas era um sonho para a população de Macau, mas 10 anos depois a ciclovia continua uma realidade distante. A “Política Geral do Trânsito e Transportes de Macau (2010- 2020)” definiu o objetivo a médio prazo de integrar o sistema de transportes públicos com as vias pedonais e ciclovias. Segundo o documento, planeia-se “estudar a definição das normas sobre o planeamento de ciclovias; iniciar o planeamento geral da rede de ciclovias e instalações de serviços e começar o estudo da criação do sistema de aluguer de bicicletas públicas.

”Revendo o texto “Política Geral de Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2010-2020) – Compilação das opiniões recolhidas”, sempre que um membro da população questiona o Governo sobre se foi “considerado construir infraestruturas auxiliares para o ciclismo” (pág. 43, ponto 790), o texto esclarece que: “mobilidade verde é um princípio básico da política, o planeamento e construção de ciclovias fará por isso parte da definição clara deste método de transporte. Por outro lado, será oferecida prioridade à promoção de um esquema de demonstração na Taipa com ciclovias para fins recreativos, incluída na política.”

Contudo, até à data de hoje, a DSAT ainda não publicou especificações sobre a construção de tais ciclovias. Também ainda não foi iniciada a ciclovia nas restantes ilhas como mencionado no documento. A palavra ciclovia foi até retirada por completo de todo o “Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030)”.

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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