Latonya Leong, vice-presidente da Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos, afirma ao PLATAFORMA que a Assembleia Legislativa de Macau “parece não oferecer grande importância” à plataforma sino-lusófona e que o atual modelo económico da RAEM reduz as oportunidades dos talentos bilingues. Explica ainda que o desenvolvimento de Hengqin não garante um fortalecimento das relações comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa e que estes últimos devem também esforçar-se na elaboração de um plano a longo prazo
No ano passado concorreu às eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Um dos grandes ‘slogans’ da sua campanha foi a promoção da plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O que ficou dessa experiência?
Latonya Leong – Atualmente contamos com um número relevante de funcionários em serviços relacionados com a plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Contudo, apenas uma parte reduzida dos mesmos compreende de facto as implicações desta medida. Estamos por isso a trabalhar no processo de registo oficial da Plataforma Para Os Jovens com o Governo, para provar o valor deste projeto. Posteriormente, continuaremos a promover o desenvolvimento da mesma e de outras questões sociais relacionadas com a juventude de Macau.
Macau foi encarregue pelo Governo Central de ser uma plataforma entre os Países de Língua Portuguesa e a China. Na sua opinião, existe uma estratégia bem delineada para desempenhar esse papel?
L.L. – Esta plataforma entre os Países de Língua Portuguesa e a China é uma ligação comercial e cabe a Macau promovê-la através de cooperações e trocas entre estes países. A ligação entre as duas regiões tem-se alastrado gradualmente para outras componentes sociais, relacionadas com as suas populações, culturas e educação. O desenvolvimento tem também sido facilitado pelos esforços de várias empresas envolvidas. Porém, uma série de fatores negativos que surgiram, como a pandemia, deixaram um impacto significativo nestas cooperações comerciais. São por isso necessárias medidas auxiliares do Governo, como por exemplo: simplificação do processo de entrada de produtos de Países de Língua Portuguesa na China, otimização do Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa e sistema de seguro de créditos à exportação.
A área da Grande Baía deve primeiramente melhorar as leis e regulamentações necessárias para resolver a questão dos “três locais, três sistemas legais” entre a China Interior, Hong Kong e Macau
Em Macau, nomeadamente na Assembleia, é dado o devido valor à relação com os mercados lusófonos?
L.L. – Nesta fase atual, a Assembleia Legislativa parece não oferecer grande importância à plataforma, visto que grande parte dos deputados não está familiarizada com as políticas da mesma, nem possuem experiência de gestão de pequenas e médias empresas. Foi por essa mesma razão que decidi candidatar-me às eleições do ano passado. Espero tirar partido das minhas experiências profissionais e sociais para educar o público sobre esta plataforma e promover o conceito da juventude destas regiões ao serviço da sociedade. Alerto e sugiro ainda que o Governo explore a construção desta plataforma com medidas favoráveis.

A partir da sua experiência no setor da exportação e importação, quais as dificuldades dos produtos lusófonos de entrar e se afirmarem no mercado chinês e de que forma as empresas podem combater esses entraves?
L.L. – Primeiramente, os produtos de países lusófonos são ainda relativamente novos no mercado chinês. Neste sentido, além de ser necessário que Macau assuma um papel forte na sua promoção, os próprios Países de Língua Portuguesa devem também esforçar-se para definir um plano de desenvolvimento na China a longo prazo. O papel de Macau como ponte para relações comerciais entre a China e estes países é insubstituível, é algo inegável. Por isso é que para combater as adversidades do seu desenvolvimento, empresas fornecedoras de países lusófonos devem estar dispostas a investir no mercado chinês e colaborarem com o Governo de Macau para darem a
conhecer à população da China Interior estes produtos e as suas culturas associadas, também como forma de promoção dos mesmos.
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Com o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin e respetiva integração na Área da Grande Baía, quais são os desafios e oportunidades para as empresas dos Países de Língua Portuguesa?
L.L. – Apesar do desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin e da Área da Grande Baía terem possibilitado que Macau rompesse as suas limitações geográficas e ganhasse cerca de 106 quilómetros quadrados para se desenvolver, não é garantido que o volume de trocas comerciais entre a China e países lusófonos também aumente. De acordo com os planos de desenvolvimento para a Zona de Cooperação Aprofundada, serão atingidos resultados significativos até 2029, com o seu objetivo largamente cumprido até 2035, provando que existe um mercado para explorar. Mesmo assim, como empreendedora, acredito que o modelo foco deve ser o B2C (business to consumer), e não um sistema B2B (business to business). Desta forma, a prioridade para Hengqin deve ser o cultivo de consumidores e economia de qualidade.
As autoridades devem criar mais benefícios para a integração comercial da Lusofonia na Área da Grande Baía? Como?
L.L. – A Área da Grande Baía deve primeiramente melhorar as leis e regulamentações necessárias para resolver a questão dos “três locais, três sistemas legais” entre a China Interior, Hong Kong e Macau, e garantir que empresas pertencentes à plataforma e inseridas nos três locais possam tirar partido de um ambiente propício ao negócio que possa ser criado, construído, operado e usufruído em conjunto.
– Acredita que a ponte sino-lusófona, neste momento, depende maioritariamente da iniciativa privada?
L.L. – O posicionamento da Área da Grande Baía como “Um Centro, Uma Plataforma e Uma Base” é uma importante medida de auxílio ao desenvolvimento social de Macau. Contudo, os setores económicos tradicionais da região continuam a ser demasiado homogéneos, faltando ainda um plano abrangente para a criação de uma plataforma entre países lusófonos e a China em Macau. Quaisquer problemas ou dificuldades encontradas, tanto por empresas como por indivíduos, durante o processo de implementação destas medidas, devem ser respondidas de forma atempada para garantir que as mesmas são otimizadas.
– Quais têm sido as principais ações da Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos (ACIML) no desenvolvimento da ponte sino-lusófona?
L.L. – A ACIML conta com membros de Macau e de vários países lusófonos que conseguiram criar laços fortes entre a Associação, Portugal, Angola e Brasil. Desde a sua criação em 2003 que tem promovido o comércio tradicional entre Macau e Países de Língua Portuguesa, enquanto desenvolve a cooperação económica e comercial entre várias províncias chinesas, Macau e países lusófonos. O seu objetivo é servir como ponte, informar sobre os vários ambientes comerciais e de investimento das regiões, criar oportunidades de negócio e oferecer apoio a empresas e organizações multilaterais. A Associação tem recebido apoio tanto do Governo como do Secretariado Permanente do Fórum de Macau. Para outros assuntos, envia membros representantes para atividades organizadas pelo Governo da RAEM, como a anual Exposição de Produtos e Serviços dos Países de Língua Portuguesa (Macau) (PLPEX), a Feira Internacional de Macau (MIF), a Expo Internacional de Turismo (Indústria) de Macau, entre outras presentes na “Semana de Macau” na China Interior.
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– Há cerca de um ano abordava a “fuga” de talentos bilingues de Macau. Ainda é algo que lhe preocupa? Porquê?
L.L. – Para atrair e reter talentos bilingues com proficiência em Português e Chinês precisamos de recursos para apoiar esta cadeia industrial e oportunidades de emprego. Se conseguirmos assegurar que estes talentos bilingues encontram emprego depois de terminarem os estudos, o setor sino-português continuará com certeza a crescer e a ser aprofundado à medida que estes talentos são desenvolvidos.
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No entanto, com o contexto da pandemia, preocupa-me que o modelo económico de Macau, dependente da indústria do jogo, tenha sofrido gravemente e reduzido as oportunidades para desenvolvimento de talentos, o que deixará um impacto ainda mais negativo na economia de Macau e criará até um ciclo vicioso. É essencial que estes talentos bilingues sejam ativamente integrados na Grande Baía para procurar novas oportunidades e internacionalizar-se juntamente com Macau. Desta forma, estarão a contribuir para o desenvolvimento diversificado da sua sociedade e talentos.
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