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Já não se ouve música no Afeganistão

“Os programas musicais desapareceram da TV e da rádio. A música pode ajudar a construir um país, pode aproximar grupos étnicos”, afirma Ahmad Sarmast, fundador e diretor do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.

Para Ahmad Sarmast foi uma surpresa a fuga do governo afegão e a tomada de poder pelos talibãs. No início das férias de Verão, há cerca de um mês e meio, o musicólogo viajou para a Austrália não só para estar com a família, mas também para se submeter a tratamentos médicos. “Ninguém previu os acontecimentos das últimas semanas”, admite “é inacreditável”.

Fundador e diretor do Instituto Nacional de Música do Afeganistão, Ahmad Sarmast mostra-se preocupado com o desaparecimento da música sobretudo nos media. “Os programas musicais desapareceram da televisão e das estações de rádio”. Criado em 2010, a este Instituto se deve a criação da Orquestra Zohra, uma orquestra de jovens afegãs que se apresentou em Portugal há dois anos, a primeira geração autorizada a frequentar a escola e a estudar música desde a queda do regime talibã em 2001. Atualmente 350 estudantes, entre os dez e os 22 anos, de diferentes condições sociais e grupos religiosos frequentavam a escola. Agora esperam em casa pelas decisões do novo regime. As aulas estão suspensas. O Instituto Nacional de Música do Afeganistão e a Orquestra Zohra estão fechados. Ninguém sabe o que vai acontecer.

O percurso da Orquestra Zohra, nome da deusa persa da música, não foi fácil. As jovens tiveram de enfrentar várias formas de intimidação e até ameaças de morte. Muitas aprenderam a tocar às escondidas da família. Zarifa Adiba começou a aprender viola em 2015 e tornou-se maestrina da orquestra. Os tios consideravam que a música não era apropriada para raparigas e a família chegou a retirá-la da escola. Mas a paixão foi mais forte. “Era a minha tia que me levava às aulas. De vez em quando, antes de sair para os ensaios, beijava a mão da minha mãe e pensava para mim própria que podia não voltar viva” recorda Zarifa Adiba num texto recentemente publicado na internet.

Mas algumas ameaças tornaram-se realidade. Em 2014, ainda sob a proteção dos militares americanos, durante um concerto da Orquestra Sinfónica no Centro Cultural Francês rebentou uma bomba que deixou Ahmad Sarmast inconsciente, surdo e com vários outros ferimentos. Depois de meses de tratamento na Austrália conseguiu recuperar a audição. Após este ataque os talibãs emitiram um comunicado acusando o musicólogo de estar a corromper a juventude afegã.

No passado, ouvir, aprender e tocar música foi proibido pelo regime talibã que destruiu instrumentos musicais em plena praça pública. Estas memórias estão bem presentes embora Ahmad Sarmast esteja otimista. “O Afeganistão é hoje um país muito diferente do que era há 20 anos. Acredito que os talibãs sejam diferentes. Acredito no poder dos jovens”. Mas não deixa de estar receoso. A segurança destas jovens que estão no Afeganistão e com as quais não contacta para as proteger, é uma preocupação também pelo sucesso que alcançaram fora do país.

Os vários agrupamentos criados na escola como a Orquestra Sinfónica Nacional, a Orquestra de Jovens Afegãos, a Zohra e a Orquestra de Mulheres Afegãs tornaram-se símbolos da emancipação das mulheres e deram-lhes visibilidade internacional. Estes agrupamentos tocaram não só no Afeganistão como em algumas das mais reputadas salas de espetáculo da Europa e dos Estados Unidos. Por isso quando os talibãs se aproximaram há poucas semanas de Cabul, Negin Khpalwak, maestrina da Zohra, resolveu queimar fotografias e recortes de jornal que tinha guardado como contou à Agência Reuters. A jovem de 24 anos conseguiu, entretanto, fugir para os Estados Unidos. Algumas estudantes da escola de música que ainda estão no Afeganistão contaram já ter destruíram os seus instrumentos musicais e apagado os seus perfis das redes sociais.

Ahmad Sarmast  é fundador e diretor do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.
Ahmad Sarmast é fundador e diretor do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.

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