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Varrimento aos ciclistas

Nelson SilvaNelson Silva*

Não consigo ficar parado. Assim que abri o artigo que dava conta da notícia de mais uma morte de uma pessoa que viajava de bicicleta, senti um regresso aos meus tempos de imigrante em Londres e, consequentemente, um arrepio na espinha e uma frustração terrível. Leio o artigo e percebo que esta pessoa estava grávida, o que me deixou completamente lívido. E as memórias do meu tempo em Londres vieram como um tornado rodopiante toldar-me a visão. Não é esta realidade que quero no meu país.

Em Portugal temos a triste tendência de dizer que no “estrangeiro é que é”. Ora bem, em Londres, e em matéria das vias cicláveis e segurança rodoviária de ciclistas, é tudo menos exemplo para ninguém. E a única razão pela qual eu menciono Londres, é porque começo a ver um padrão de situações semelhantes ao que antecedeu o verdadeiro “varrimento” de ciclistas nas estradas da capital inglesa.

Existe na estrada um extremar de posições, um individualismo extremo que tanto está errado quer por parte dos que passam horas da sua vida atrás de um volante, quer por parte daqueles que preferem o guiador. Os primeiros porque consideram que os ciclistas são incómodos nas estradas e entendem que as ciclovias cortam vias para os automóveis, criando caos por todo o lado. Os últimos porque estão fartos e fartas de serem vítimas da agressividade que vão encontrando aqui e ali. Mas de quem é a culpa?

Bem, de facto a culpa não é de automobilistas nem de ciclistas. Esta situação deve-se ao tipo de políticas públicas de mobilidade suave no nosso país, mas também por todo o lado na Europa. Nunca se trabalhou a questão das ciclovias e da mobilidade suave de forma correta. As autarquias por esse país fora, bem como sucessivos governos, sempre tiveram a premissa de que andar de bicicleta era somente uma atividade de lazer ou desportiva. E esse foi sempre o problema.

A mobilidade ciclável é de facto muito saudável, é uma atividade recomendada que pode ser algo para fazer em família. No entanto, a bicicleta também é, e cada vez para mais e mais pessoas, a forma principal de deslocação. Não é mera deslocação de passeio, mas sim de casa-trabalho-casa. E como ambientalista aplaudo esta transição, tão necessária para o nosso país e para o planeta e, por isso, quero ver as políticas públicas a terem em conta o que são as reivindicações das várias associações.

A forma como as ciclovias têm sido construídas, as “soluções” que têm sido adotadas, foram erradas e continuam a ser erradas e, devido a isto, os conflitos existem. Não há volta a dar, não há maneira de ignorar esta realidade. Esta responsabilidade é somente e meramente política.

Esta perda de insensibilidade social acerca do bem-estar das “pessoas das bicicletas”, é um grave sintoma que em Inglaterra se tornou demasiado evidente desse problema. Morei na capital inglesa durante 8 anos, nos quais o autocarro, o metro e a bicicleta eram os únicos meios de transporte que utilizava. Testemunhei por diversas vezes motoristas de autocarros e de táxi, literalmente a fazer pontaria aos ciclistas, infelizmente testemunhei igualmente vários acidentes que vitimaram a “pessoa da bicicleta”. E o que me chocou mais foi a completa insensibilidade geral que até protegia quem fazia pontaria. E em Inglaterra o problema teve exactamente a mesma origem. É que a maioria das ciclovias da capital inglesa não são dedicadas e foram colocadas entre as bermas dos passeios e o centro da via rodoviária. Mais uma vez, imensas vidas foram perdidas porque os responsáveis políticos foram incompetentes. E isto custa muito a aceitar.

E deixa-me inquieto.

Porque em Portugal vejo o início do que vi em Londres.

E não quero de maneira alguma que se continuem a perder vidas nas estradas por incompetência e inércia política.

Nem mais uma.

Não ao varrimento de ciclistas no nosso país.

Expresso aqui as minhas mais sinceras homenagens às famílias enlutadas das vítimas destes macabros acidentes.

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