Em 2014 Fernando Santos tornou-se seleccionador nacional de futebol. Nunca fui grande fã mas impunha-se substituir o chip Paulo Bento, qualquer coisa seria melhor, portanto foi com esperança que encarei a mudança. Tínhamos uma excelente equipa, vários adversários passavam por fases de transformação nas suas Selecções, parecia-me termos reunido matéria-prima e circunstâncias para ambicionar fazer mais que os habituais honrosos percursos onde faltam troféus.
Qual não foi a minha surpresa quando na primeira conferência de imprensa como seleccionador, em vez do usual “vamos tentar chegar o mais longe possível”, Fernando Santos afirmou categoricamente acreditar que seríamos campeões europeus. Acho que o que faltava à Selecção era crença, mentalidade vencedora, e o facto de o seleccionador entrar “a matar” com um espírito tão positivo fez-me desde logo acreditar nesse propósito. Na altura tinha um blog onde escrevi um texto intitulado “Sr. Engenheiro, eu acredito!” e expliquei que não se tratava de fé cega, antes uma esperança sustentada na evidente qualidade dos nossos jogadores que apenas necessitava de ser potenciada. No percurso até ao Europeu de 2016 não se assistiu a um futebol extraordinário não obstante havia Ronaldo no auge da genialidade e mantive intacta a crença; bem me lembro que nesse tempo a minha fé soava quixotesca, aparentemente o seleccionador só conseguiu convencer os jogadores e a mim daquilo que na minha cabeça eu via como uma evidência. A fase final foi repleta de peripécias contudo elas só me faziam rir tal era a minha convicção num desfecho positivo: “Deus escreve direito por linhas tortas”, “eh pá, não faço ideia como mas isto vai-se dar, está escrito há muito, até pode ser um pontapé para a atmosfera, a bola bate num OVNI e entra”, “os outros nem vão perceber o que lhes aconteceu” eram o género de frases que respondia a amigos que não conseguiam ter as minhas certezas.
Ganhámos o Europeu. Ganhámos a Liga das Nações. Instalou-se o que faltava, uma mentalidade vencedora, o hábito de ganhar taças. Alguma vez deslumbrámos? Raramente, e quando o fizemos suportou-se mais no brilho de individualidades que através do colectivo, aliás só há memória do colectivo na final do Europeu, uma batalha corpo-a-corpo onde as tácticas foram mandadas às urtigas. O problema de se instalar seja o que for nos portugueses é julgarmos que é para sempre, começamos a ficar anafados, desdenhosos, a contar que de alguma forma as coisas vão acontecer como sonhamos, ainda que não façamos muito por isso. Já Camões escrevia que todo o mundo é composto de mudança, os jogadores são outros, as selecções adversárias mudaram, as circunstâncias também, Fernando Santos… continua igual… porém mais velho. Neste momento tem à sua disposição um leque de jogadores muito melhor do que o existente em 2016. Vários portugueses jogam nas Ligas mais competitivas da Europa, pode ir buscar portugueses campeões em Espanha, França, Inglaterra, Portugal, que jogam no Manchester United, Liverpool, Juventus, Barcelona, experientes e gente nova habituada ao sabor da vitória. Em 2016 a espinha dorsal da Selecção fora criada no Sporting, um clube que nunca ganhou uma Liga enquanto lá se formaram e jogaram. Não existimos sozinhos, os adversários também têm qualidades, mas estranho que a nossa matéria-prima tenha melhorado substancialmente em relação à última grande conquista, e tudo está pior.
Há um caso bicudo chamado Ronaldo. Deu imenso à Selecção, se hoje ela tem o respeito e visibilidade internacional que tem, muito deve a ele. A actual decadência de prestações da equipa nacional está demasiado associada à sua própria decadência, o que é um sinal preocupante. Sou apologista de manter Ronaldo até ao próximo Mundial, será o seu último, talvez a única conquista que lhe falta, e por uma questão de gratidão pelos enormes serviços prestados no passado ele deve ter lugar nessa competição nem que seja de muletas. Todavia terá de ser muito bem gerida a sua presença na equipa, é preciso ter coragem, sensibilidade, autoridade e inteligência para lidar com a delicadeza do problema, não deixar que se torne um problema para o restante plantel, como já se nota que é. Fernando Santos não tem capacidade para o resolver, a Selecção está refém de Ronaldo. Apesar de tudo penso que ele não é o caso mais grave, o pior de todos é o seleccionador. O trajecto como treinador demonstra que a sua principal preocupação é não perder. Muito bem, não perder no mínimo significa empatar, e foi isso que se viu no último Europeu, andámos a empatar até ao fim; desde aí andamos a empatar até agora, o nosso jogo baseia-se na preocupação de não perder e como se sabe, o medo de perder inibe a vontade de ganhar. Fernando Santos nunca mudou este princípio, a diferença é que em 2016 tinha um mágico ao seu serviço e fé na conquista. Este ano tive a certeza de que não ganharíamos nada porque faltando a força da convicção a Fernando Santos, ele não tem muito mais para oferecer, tecnicamente é pobre, temeroso. O discurso de partida para esta competição voltou ao vazio, o normal registo de décadas “tentar ir o mais longe possível”, ou seja, não acreditava realmente na final.
É chato dizer isto mas Fernando Santos apresenta bastos sinais de velhice. A velhice traz o medo, sempre o medinho que tolhe o pensamento. Dois trincos contra a Hungria, a conversa do medo contra a Alemanha, meia parte mais descontraída contra a França quando sentiu o apuramento no bolso, meia parte de medo contra a Bélgica… Alcançou um estatuto de topo e ficou com mais medo de o perder do que vontade de o reconquistar, esgotou a verve para essa empreitada. Tem talentos jovens à disposição mas não os entende, receia-os, prefere rodear-se dos velhos que conhece, os que lhe dão sensação de segurança. Está à vista o resultado de tanta segurança: um futebol deprimente e zero troféus. De uma coisa estou seguro, a renovação em continuidade da Selecção não se fará com Fernando Santos, para isso era necessário um mindset diferente. Quem vibrou com a vitória do Sporting na Liga sabe do que falo, uma mudança de paradigma que contrastou e pôs a nu estatutos instalados no meio; competência com arrojo é algo que o Sr Engenheiro nunca teve e já não terá agora que envelheceu. Daí, por mais jovens que ponha na equipa parecem velhos a jogar; será por acaso? O pior é que não creio que ele ache que há algum problema, irá defender o seu estatuto, enfim teremos de o gramar até ao final do Mundial enquanto vemos jogadores que podiam chegar mais cedo a outro patamar com a Selecção perder anos em falhanços, equívocos, decepções, desperdício de foco e energia. No fundo vai empatar também os miúdos.
*Músico e embaixador do Plataforma