O Brasil superou neste sábado a marca de 500 mil mortos pela Covid-19 e enfrenta a ameaça da terceira onda de uma pandemia agravada, segundo especialistas, pela oposição do governo de Jair Bolsonaro ao uso da máscara e ao distanciamento social.
Segundo dados do Ministério da Saúde, nas últimas 24 horas houve 2.301 mortes, elevando o total para 500.800.
“Quinhentas mil vidas perdidas pela pandemia que afeta o nosso Brasil e todo o mundo”, tuitou o ministro. O número de casos da doença aumentou hoje em 82.288, totalizando 17.883.750.
Até agora, apenas os Estados Unidos haviam ultrapassado meio milhão de mortes. Lá, porém, as taxas de mortalidade e infecção caíram consideravelmente desde janeiro, enquanto o Brasil viveu uma segunda onda da doença este ano e está ameaçado pela terceira.
A média diária de mortos em sete dias se situa novamente acima de 2 mil, após ter caído para 1.660 no começo do mês. A de infectados supera há cinco dias 70 mil, pela primeira vez desde meados de abril.
“A terceira onda está chegando, já começa a haver uma mudança na nossa curva de casos e de óbitos. Estamos com vacinação lenta, que é o que poderia fazer a diferença, e não temos uma sinalização de medidas de restrição, muito pelo contrario”, disse à AFP a epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade do Espírito Santo (Ufes).
Em termos relativos, com 235 mortos a cada 100 mil habitantes, o Brasil está entre os 10 países mais atingidos pela doença, que já matou 3,8 milhões de pessoas no mundo, segundo um balanço atualizado diariamente pela AFP com base em dados oficiais.
Para a Fiocruz, o país enfrenta um quadro “crítico”, com “um platô elevado de transmissão da covid-19, com a possibilidade de agravamento nas próximas semanas, com a entrada do inverno”.
O nível de ocupação dos leitos nas unidades de terapia intensiva (UTI) supera os 80% em 19 dos 27 estados do país e 90% em oito deles, detalhou a Fiocruz.
A pressão sobre o sistema de saúde evoca as imagens horríveis registradas no início do ano em Manaus, no Amazonas, onde dezenas de pessoas morreram asfixiadas por falta de oxigênio medicinal nos hospitais. No entanto, a vida parece quase normal nas grandes cidades, com restaurantes e comércios abertos e muitas pessoas sem máscaras nas ruas.
Pandemia ‘maratonista’
“Parece que a gente não saiu da primeira onda. Parece que só deu uma reduzida. Parece que agora a pandemia virou um corredor maratonista, que está dosando sua forma de fazer a prova”, afirmou Alexandre da Silva, pesquisador e doutor em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP).
Silva considera que o Brasil, mais do que uma pandemia, vive uma “sindemia”, em que a emergência sanitária se potencializa mutuamente com as devastações socioeconômicas.
“Infelizmente, o Brasil é uma bomba-relógio [por causa da pandemia]. Se as vacinas não chegarem, se insistir nessa não articulação dos atores sociais para política de saúde e assistência social, corremos risco de ter muitas mortes desnecessárias”, alerta Silva.
A campanha de vacinação, iniciada em meados de janeiro, sofreu uma série de interrupções por falta de insumos, mas quantidades importantes de lotes chegaram nos últimos dias, permitindo acelerar a imunização em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Ainda assim, apenas 29% da população recebeu a primeira dose da vacina e 11,36%, a segunda, segundo dados oficiais.
‘Copa Covid’
Bolsonaro se opõe às medidas de confinamento, questiona a eficácia das vacinas e a utilidade das máscaras e promove medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid.
“Enquanto eu for presidente, enquanto tiver um líder no Paralmento também, vamos lutar para que o cidadão de bem tenha armas e seja desobrigado a usar mascara”, declarou Bolsonaro na quinta-feira, em seu programa semanal transmitido ao vivo.
Essa postura o levou a acolher no Brasil este mês a Copa América, que havia sido rejeitada pela Colômbia devido a seus conflitos sociais e pela Argentina por causa da pandemia.
O presidente participou recentemente de várias motociatas e manifestações, de olho nas eleições de outubro de 2022. A oposição mobilizou hoje, pela segunda vez em menos de um mês, dezenas de milhares de pessoas em centenas de cidades do país, para denunciar a gestão da pandemia pelo governo.
Para Ethel Maciel, milhares de mortes poderiam ter sido evitadas “dando informações concretas para a população sobre as medidas de saúde publica”, mas “nada disso foi feito” e o governo transformou a pandemia em “uma briga ideológica”.