O Centro de Integridade Pública (CIP), organização não-governamental (ONG) moçambicana, denunciou hoje uma rede de exploração sexual em que guardas prisionais forçam mulheres reclusas a sair de uma cadeia de Maputo para se prostituírem.
“O que esperamos é que depois desta investigação seja possível ao Ministério Público identificar as pessoas envolvidas e que sejam responsabilizadas, para parar com esta exploração condenável e hedionda”, disse Borges Nhamire, membro do CIP.
Aquele responsável falava em conferência de imprensa durante a apresentação da investigação da ONG levada a cabo no Estabelecimento Penitenciário Especial para Mulheres de Maputo (EPEMM), mais conhecida por Cadeia Feminina de Ndlavela.
O CIP defende a criação urgente de uma “comissão de inquérito independente integrando diferentes órgãos e instituições do Estado, incluindo o Ministério Público, a Assembleia da República e organizações de defesa dos direitos humanos” para averiguar o caso.
A comissão deve ainda produzir “recomendações para a proteção das reclusas deste estabelecimento prisional e dos demais espalhados pelo país”.
O EPEMM acolhia em 2019 um total de 125 reclusas, distribuídas por oito celas, com capacidade para 20 pessoas cada.
“A exploração sexual das reclusas é um negócio lucrativo”, refere o relatório do CIP, segundo o qual “as reclusas são tratadas como uma mercadoria e têm um preço” só ao alcance de pessoas com algumas posses em Maputo.
“Pombinhas”, “coelhinhas” são alguns dos termos usados pelos guardas prisionais para se referir às mulheres durante a negociação com os clientes: acerta-se o dia, o local do encontro e o preço – os guardas podem receber cerca de 40 a 400 euros por cada reclusa entregue.
“Embora seja mais comum as reclusas saírem a noite e aos fins-de-semana ou feriados, algumas chegam a ser retiradas em plena luz do dia e no meio da semana”, relata o CIP, cujos investigadores se fizeram passar por clientes durante seis meses, chegando a receber mensagens convidativas por parte de guardas a anunciar a chegada de novas prisioneiras.
Os encontros marcados pelo CIP serviram para conversar com as reclusas: “algumas saem três a quatro vezes por semana para manter relações sexuais com pessoas que dizem desconhecer”, lê-se no relatório.
Inventam-se justificações para saírem da cadeia – por exemplo, uma ida ao hospital – sendo que até chegarem à rua as reclusas “deparam-se com guardas e chefes de permanência”.
“Não há interpelação das reclusas em movimento sem autorização. O esquema envolve várias hierarquias de chefias, desde o chefe de cela, o oficial de permanência até aos guardas que ficam nas torres de vigilância”, nota o CIP.
Uma das reclusas ouvida pelo CIP relatou que, além da prostituição forçada, foi “violada por carcereiros” e relatou ter sido “espancada por ter recusado manter relações sexuais com um oficial de permanência”, o que a levou ao hospital – situação semelhante às relatadas por mais mulheres.
Outra reclusa disse que nem todas integram a rede clandestina de prostituição, “somente as mais vulneráveis”, porque “aquelas que têm apoio das famílias não aceitam, não precisam disso”, referiu ao CIP.
No caso dela, mãe solteira e órfã de pai e mãe, disse que acabou por ceder à pressão e usa parte do dinheiro que recebe das pessoas com quem mantém relações – dinheiro que escapa às mãos dos guardas – “para suprir as suas necessidades e ajudar as filhas”.
Quando um dos investigadores quis remarcar um encontro, a reclusa respondeu: “Isso não depende de mim”, explicando que cabe aos guardas decidir as reclusas que saem, quando e com quem.
Noutro testemunho, uma prisioneira disse já ter tentado o suicídio, ao ser obrigada “a manter relações sexuais com mais de três pessoas estranhas por dia”.
“Quero sair, estou cansada. Já tentei suicidar-me, mas quando penso no sofrimento da minha filha e da minha mãe, desisto”, relatou a reclusa, mãe de uma criança de sete anos.
Quatro mulheres que estiveram a cumprir penas de prisão no EPEMM e que já estão em liberdade falaram também da rede e uma delas destacou um dilema: “Se tu não aceitas, ficas na lista negra”, explicando que as mulheres que se recusam a prostituir-se são maltratadas pelos guardas.
A investigação do CIP refere que “algumas reclusas que já tinham tentado denunciar os abusos foram barbaramente agredidas. A agressão desencoraja outras reclusas a fazerem a denúncia”.
De forma regular, as reclusas “recebem visitas de diferentes congregações religiosas, da inspeção da Procuradoria-Geral da República (PGR) e de outras pessoas de boa vontade, mas, mesmo assim, não encontram espaço para denunciar os horrores por que passam na cadeia”.
“Vivíamos sempre vigiadas. Os guardas estão sempre por perto”, relatou uma das ex-reclusas.
Segundo o CIP, “investigações similares devem ser conduzidas pelas autoridades noutros estabelecimentos prisionais onde estão encarceradas mulheres para apurar se não ocorrem situações similares às de Ndlavela”, conclui o relatório.