Quinta dos Ingleses: crónica de uma destruição anunciada

Quinta dos Ingleses: crónica de uma destruição anunciada

Diz-nos a Constituição da República Portuguesa que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e também que todos e todas nós temos “o dever de o defender”. Este dever tem sido exercido, há vários anos, por muitos cidadãos, movimentos cívicos e organizações não-governamentais de ambiente a propósito do atentado ambiental que é a anunciada destruição da Quinta dos Ingleses, localizada em Carcavelos, o maior pulmão verde na linha costeira entre Lisboa e Cascais.

Ao longo dos anos, a Quinta dos Ingleses tem sido objeto de sucessivas tentativas de assalto na forma de projetos de construção, numa linha totalmente contrário ao disposto na Constituição e nos vários compromissos que vimos assumindo, nomeadamente a Agenda 2030 ou o Acordo de Paris. Presentemente, com um novo projeto na calha, assistimos a um “jogo do empurra”, com o presidente da Câmara Municipal de Cascais a dizer que só o Governo pode travar o projeto e o Governo, através do Ministro do Ambiente e Ação Climática a dizer nesta semana no parlamento que a decisão cabe tão somente à autarquia. E enquanto se esgrimem posições e se sacodem responsabilidades, assistimos de modo totalmente desolador à iminência do avanço de um projeto de mega-urbanização numa área equivalente a 51 estádios de futebol.

Não é nova a opção governativa e executiva de destruir hectares de árvores para dar lugar ao betão. Quando num município se opta por manter apenas 20% da atual área verde, atropelando inclusivamente regulamentos municipais, ou destruir uma praia icónica para as famílias e a comunidade do surf, algo de muito errado se passa.

Como podemos substituir uma mancha verde por uma mancha cinzenta, sabendo que isso vai causar danos irreversíveis às 298 espécies arbóreas existentes no local e às seis espécies de mamíferos conhecidas, uma delas, o coelho-bravo, considerada em perigo de acordo com a lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. A isto acresce os efeitos que este projeto terá ao nível da qualidade dos solos, da água e do ar, já para não falar nas questões associadas ao ruído.

Não se entendendo as comadres, caberá a ambos, ao Governo e à Câmara Municipal de Cascais, ouvir a população e as organizações não-governamentais que se têm insurgido contra este projeto e tomar consciência efetiva dos impactes negativos de uma urbanização desmedida num concelho já excessivamente urbanizado e, com urgência, travar este projeto, pelo melhor interesse das pessoas e do ambiente.

Não podemos continuar a proteger cegamente os interesses dos promotores imobiliários ao invés de proteger o bem-estar daquela que é a nossa casa comum, o Planeta. A solução passa, sem dúvida, por classificar a Quinta dos Ingleses como “Paisagem Protegida” e pela implementação dos mecanismos necessários à sua preservação e à resolução de passivos ambientais, tal como foi proposto na Assembleia da República.

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