O ex-presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker considera que a União Europeia (UE) tem de ser “menos ingénua” com a China, defendendo que os “europeus têm de organizar melhor as suas relações” com as outras potências estrangeiras.
“No que se refere à China, temos de ser menos ingénuos do que fomos nas últimas décadas. A China é, claro, um parceiro comercial importante da UE – dependendo dos diferentes Estados-membros, porque os países europeus têm relações comerciais distintas com a China –, mas também é um rival e um concorrente”, afirma, em entrevista à Lusa, Jean-Claude Juncker.
No gabinete que mantém no Berlaymont, o ‘quartel-general’ da Comissão Europeia, que presidiu entre 2014 e 2019, Juncker destaca que o mercado interno da China é “grande” e a UE deve procurar “garantir” que se “mantém aberto para as empresas europeias, da mesma maneira que o mercado interno da Europa está aberto a empresas chinesas”.
“Precisamos de um acesso melhor ao mercado interno da China e todos os esforços nessa direção são bem-vindos”, sublinha.
Nesse sentido, Juncker considera que o acordo de investimento UE-China – cujo acordo de princípio foi alcançado entre a União Europeia e a China em dezembro de 2020, após sete anos de negociações que tinham começado sob a presidência de Juncker – é “um passo na direção certa”, mas peca por ser pouco robusto no que se refere às condições laborais.
No acordo em questão, a China – que, até ao momento, continua sem ratificar quatro das oito convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre as quais as duas referentes ao trabalho forçado – compromete-se a “implementar de maneira eficaz” as convenções que já ratificou, a “trabalhar com vista à ratificação” das que faltam e a “fazer esforços contínuos e sustentados para ratificar” as duas convenções sobre trabalho forçado.
Para Juncker, essas referências às convenções da OIT são “muito fracas”.
“A China tem de perceber que esperamos que os nossos parceiros chineses respeitem todas as normas e princípios internacionais” sobre questões laborais, destaca.
Interrogado se, nesse caso, aconselharia o Parlamento Europeu a não ratificar o acordo em questão – sendo esse um dos passos que faltam para que o acordo possa entrar em vigor –, Juncker diz que “não”, por considerar que os eurodeputados, “como o público geral na Europa”, são “muito céticos no que se refere a acordos comerciais e a acordos de proteção de investimentos”.
“O Parlamento Europeu está a desempenhar o seu papel quando chama a atenção para os princípios básicos que devem caracterizar as relações comerciais europeias. Mas penso que, no final do dia, como sempre, depois de ter protestado, o PE irá ratificar” o acordo, refere.
A postura “menos ingénua” perante a China engloba-se, segundo Juncker, numa necessidade de “organizar melhor” as relações dos europeus com as “potências estrangeiras” onde, além de Pequim, também se encontra Moscovo.
“Nós não temos, por enquanto, qualquer relação com a Rússia, e esse não deve ser o tipo de relacionamento que deveríamos ter com a Rússia no que se refere a questões relativas ao futuro da Europa”, aponta Juncker.
Nesse sentido, o ex-presidente da Comissão apela a que a UE “restabeleça relações” com Moscovo, sem “abdicar” das suas “principais preocupações”, nomeadamente a sua “oposição firme” ao que “a Rússia fez na Crimeia” e ao que “está a fazer na parte oriental da Ucrânia”.
“Mas temos de restabelecer ligações com a Rússia o que, claro, pressupõe que a Rússia está disposta a fazê-lo. Não tenho a impressão de que a Rússia esteja a fazer os esforços necessários para conseguir estabelecer relações normais com a UE”, afirma.