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Paquistão continua assombrado dez anos após a morte de Bin Laden

Como quase todos os dias, crianças jogam críquete num terreno com grama queimada e escombros espalhados. Isso é o que resta do último covil do homem que foi por muito tempo o mais procurado do planeta.

Foi ali, na cidade paquistanesa de Abbottabad (norte), nas encostas do Himalaia, que Osama bin Laden foi morto durante uma operação dos Navy Seals, unidade de elite das forças especiais americanas, em 1º de maio de 2011.

Seu impacto foi global e afetou a imagem internacional do Paquistão, expondo as contradições de um país que por muito tempo serviu de retaguarda para a Al-Qaeda e seus aliados do Talibã. E isso apesar de ser vítima do terrorismo. 

A “Operação Lança de Netuno” encerrou uma busca de dez anos pelo autor dos ataques de 11 de setembro, que fugiu dos americanos em 2001 nas cavernas de Tora Bora, no leste do Afeganistão.

Foi muito constrangedor para o Paquistão e seu exército todo-poderoso. Bin Laden viveu recluso por pelo menos cinco anos em Abbottabad, escondido atrás dos muros de um imponente edifício branco, a menos de dois quilômetros de uma prestigiosa academia militar.

“Foi muito ruim para este lugar e para todo o país. Abbottabad era o lugar mais pacífico que existia. Morando ali, Osama deu à cidade uma má reputação”, lamenta Altaf Husain, um professor aposentado de 70 anos perto da antiga residência de Bin Laden.

O exército e os serviços de inteligência do Paquistão sofreram um duro golpe. Poderiam ter admitido que estavam cientes da presença do fundador da Al-Qaeda, mas isso teria deixado clara sua incapacidade de impedir a operação americana. Preferiram negar, mesmo significando reconhecer lacunas nas atividades de inteligência.

– Humilhação nacional –

O evento foi vivido como uma humilhação nacional. A operação reforçou a animosidade anti-americana entre uma população, cansada do preço financeiro e humano da guerra ao terror e sua aliança com os Estados Unidos após os ataques de 2001.

O Paquistão foi inicialmente sensível ao mito fundador da Al-Qaeda, baseado na resistência do povo muçulmano ao imperialismo norte-americano. Mas quando Bin Laden morreu, não era mais tão popular como há uma década. 

“Antes, lembro que as pessoas chamavam seus filhos de Osama, até mesmo na minha aldeia”, conta o jornalista paquistanês Rahimullah Yusufzai, especialista em redes jihadistas. Mas, segundo ele, a partir de 2002 ou 2003 esse apoio “começou a diminuir por causa da violência”.

Isso não impediu que o extremismo continuasse se espalhando depois de 2011 no Paquistão, onde movimentos religiosos conservadores ganharam influência.

Nos três anos seguintes, grupos terroristas, notadamente o Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP, o Talibã paquistanês), realizaram ataques sangrentos e estabeleceram fortalezas em áreas tribais do noroeste.

Foram desalojados em uma campanha militar lançada em 2014 nesta região na fronteira com o Afeganistão. Isso tornou possível reduzir a violência, mas uma série de ataques recentes levanta preocupações sobre o ressurgimento desses grupos.

– ‘Não há unanimidade’ –

Sem seu líder carismático, a Al-Qaeda “sobreviveu, mas por pouco” e não é mais capaz de lançar um grande ataque no Ocidente, enfatiza Yusufzai. 

O grupo “também deixou de ser uma grande ameaça para o Paquistão”, mas outros como o TTP ou o Estado Islâmico continuam sendo, estima Hamid Mir, o último jornalista vivo a ter entrevistado pessoalmente Bin Laden no final de 2001. 

Dez anos depois, Bin Laden mantém sua aura entre os círculos radicais. “Está vivo no coração de cada talibã e de cada jihadista”, afirma Saad, um importante talibã afegão que vive na cidade de Peshawar, no noroeste do Paquistão.

Além dessa corrente, uma certa ambivalência persiste. Em 2019, o primeiro-ministro paquistanês Imran Khan provocou polêmica ao declarar perante a Assembleia Nacional que Bin Laden havia morrido como “mártir”, um termo elogioso na religião islâmica.

“Não há unanimidade sobre Bin Laden no Paquistão. A opinião pública está dividida”, observa Mir. Segundo ele, alguns continuam a ver o líder da Al-Qaeda como um “combatente pela liberdade” e outros como “uma pessoa má, que matou inocentes e causou destruição, não só no Paquistão, mas em muitos países, violando os ensinamentos do Islã”.

Mesmo em Abbottabad, cidade de porte médio bastante próspera e tolerante, há uma certa ambiguidade em relação a Bin Laden, cuja casa foi destruída em 2012 pelas autoridades para que não se tornasse um monumento.

“Nesta rua as opiniões são diferentes. Alguns dizem que era bom, outros que era ruim”, diz outro vizinho, Numan Hattak.

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