Os apoios e os travões

Os apoios e os travões

Bruno Dias

A propósito da polémica sobre a aprovação e entrada em vigor dos apoios sociais aos trabalhadores independentes e aos sócios gerentes, há um facto que mais uma vez se está a comprovar: é que a prioridade do Governo nesta discussão é encontrar argumentos e criar factos políticos para dificultar, atrasar, limitar medidas de apoio que são absolutamente necessárias.

Ora, aquilo que era preciso era que o Governo tivesse concentrado na execução do Orçamento, no cumprimento e na concretização de todas as medidas de apoio económico e social que o Orçamento do Estado prevê para dar resposta aos problemas económicos e sociais.

Cada vez se torna mais claro que o Governo tem no Orçamento a base de que necessita para dar resposta aos problemas do país. Aliás, a questão é simples: se o Governo aprovou, no início do ano, decretos relativamente a apoios (que se tornaram necessários em função do novo confinamento), foi porque o Orçamento tinha esses mesmos apoios e medidas expressamente definido? Não – foi porque o Orçamento lhe deu margem para isso!

O que sucedeu, então, foi que a AR aprovou uma alteração a um diploma que criou apoios (não previstos mas sustentados no Orçamento), sabendo que o OE permitia financiá-los. É criar nova despesa? Não – é definir critérios e opções de justiça para aplicar a despesa que já está orçamentada. O travão neste caso não está na Constituição: está na obsessão. Na obsessão do Governo em dificultar as medidas de apoio.

Agora, o Governo teria de demonstrar qual é exatamente a rubrica orçamental onde foi buscar a verba que permitia criar o apoio no decreto-lei que aprovou… e demonstrar também como é que essa rubrica não comportava a alteração aprovada pelo Parlamento! O Governo não fez essa demonstração, e evidentemente não a fará – simplesmente porque não a consegue fazer.

O que a Ministra do Trabalho e Segurança Social veio fazer esta semana é um número antigo: tentar colocar as pessoas em situação económica e social dramática, umas contra as outras. Trazer para este debate o tema dos descontos e dos montantes dos apoios é uma enxertia perigosa: é que o que está em causa são prestações e apoios sociais de substituição ao rendimento das pessoas. E isso nada tem a ver com as chamadas “prestações contributivas”.

Há um outro aspeto que tem de ser sublinhado. Há quem nunca tenha desistido de lutar em defesa da Constituição. Na primeira linha desse combate esteve e está sempre o PCP. Tal como o PCP reafirmou, a propósito da passagem do 45.º aniversário da sua aprovação, a Constituição da República continua a ser garante de importantes direitos políticos, económicos sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.

Ora, é precisamente no cumprimento da Constituição que o Governo não pode mandar encerrar atividades – e depois deixar as pessoas sem o apoio social correspondente à perda de rendimento que tem com o encerramento da atividade. É inaceitável que o Governo determine que em resposta à pandemia, se manda parar a economia portuguesa e se cria um risco de falência de milhares de pequenas e médias empresas… e depois deixa de executar as medidas que tem no Orçamento para dar resposta aos problemas dos micro, pequenos e médios empresários, aos problemas dos trabalhadores que foram proibidos de trabalhar, que ficam obrigados a ficar em casa a tomar conta dos filhos porque as escolas estão fechadas.

Nos 45 anos da Lei Fundamental, retomo a referência do PCP: a Constituição tem provado ser, nestes anos da sua vigência, um suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática, mas igualmente um sustentáculo que reforça a legitimidade da luta, dos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor, num Portugal mais fraterno e solidário, mais livre e mais democrático. Não tentem fazer dela um alibi para a desresponsabilização – e para o seu próprio incumprimento.

*Deputado do Partido Comunista Português

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