Cabo Verde quer crioulo como língua nacional mas ainda não sabe quando

Cabo Verde quer crioulo como língua nacional mas ainda não sabe quando

Os presidentes dos dois maiores partidos de Cabo Verde, MpD e PAICV, apontam a necessidade de valorizar o crioulo, enquanto elemento de identidade, mas não assumem que seja possível a sua oficialização como língua nacional na próxima legislatura

As posições foram assumidas em entrevistas à Lusa, a propósito das eleições legislativas de 18 de abril, em que os presidentes do Movimento para a Democracia (MpD, no poder), e do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), concorrem à liderança do Governo cabo-verdiano na próxima legislatura, sendo que a Constituição do país estabelece que o crioulo deve ser promovido a língua nacional, em paridade com a língua portuguesa.

Ambos os líderes partidários concordam, mas não assumem compromissos para a próxima legislatura para esse efeito, mas com Janira Hopffer Almada, presidente do PAICV, a admitir que os próximos cinco anos serão para “trabalhar” no sentido dessa oficialização.

“Antes de mais é preciso reconhecer-se claramente que a nossa língua nos valoriza, é sinal da nossa cabo-verdianidade, da nossa identidade”, aponta, recordando que a morna, classificada desde 2019 como património imaterial da humanidade e eternizada na voz de Cesária Évora, entre outros, é cantada em crioulo, língua derivada do português e falada no dia a dia por todos os cabo-verdianos.

“Eu penso que nós temos de trabalhar, sim, para a valorização e o justo reconhecimento da nossa língua, respeitando-se naturalmente a sua riqueza e as suas variantes”, apontou.

Na mesma linha, o presidente do MpD, Ulisses Correia e Silva, que tenta a reeleição como primeiro-ministro nestas eleições, também reconhece que o tempo para essa oficialização ainda não é uma certeza absoluta.

“Não assumo um compromisso taxativo, a dizer que será nesta legislatura [a oficialização como língua nacional]. Há toda uma construção em curso, mais do que o uso da língua, não só o uso da língua, que é natural, a sua oficialização impõe determinadas condições e exigências, nomeadamente no sistema de ensino, a bibliografa, o sistema de ensino e aprendizagem, investimentos que têm de ser feitos, a nossa ligação com o resto do mundo em termos de comunicação”, admitiu.

Acrescentou que há “uma construção em curso” até chegar esse dia, mas sublinha que a língua crioula está viva.

“O que é garantido é que esta língua não desaparecerá em nenhuma circunstância, é uma língua viva, utilizada, as pessoas comunicam, compreendem-se. É a língua da nossa relação com a diáspora, da preservação da nossa identidade também na diáspora. Neste particular, acho que há uma boa preservação, agora o passo seguinte é criar todas as condições para que a sua oficialização seja um facto e isso leva o seu tempo”, concluiu.

O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, instou no ano passado a que se acelerem os mecanismos para concretizar o que está previsto na Constituição da República, numa alusão à oficialização do crioulo cabo-verdiano como língua oficial do país.

A posição foi assumida numa declaração divulgada pelo chefe de Estado a propósito do dia mundial da Língua Materna (21 de fevereiro), instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), e na qual enaltece a cultura, história e características únicas do arquipélago unidas pela língua crioula cabo-verdiana.

“Por tudo isso, aqui também tem sentido instar a que se acelerem os mecanismos e se apurem os instrumentos de realização da Constituição da República”, refere Jorge Carlos Fonseca, ao terminar a declaração.

Em causa está o artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, que define apenas o português como língua oficial, mas que também prevê que o Estado deve promover “as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”.

“Não há nada que nos possa fazer sentir tão nós mesmos como a nossa língua materna. Não há nada que nos possa aproximar mais daqueles de que gostamos, nossos pais, filhos, irmãos, família e amigos do que a nossa língua materna. Não há sonho, desejo ou pensamento mais intrínseco e cúmplice do que aquele que é expresso ou sentido na nossa língua”, defendeu o Presidente cabo-verdiano.

Em cada ilha de Cabo Verde, destacou, há “uma língua própria” da “língua-mãe”: “Cada ilha com o seu modo de a mastigar, saborear, crispar, incidir, moldar ao quotidiano e requebro do dia e da noite, cutelo, do vale e da achada, do porto e da aldeia, da cidade e do campo”.

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