Numa entrevista este domingo ao jornal South China Morning Post, Carrie Lam, a Chefe do Executivo de Hong Kong, abriu o livro sobre o último ano da cidade, marcado por tensões sociopolíticas, o deteriorar das relações com os EUA (Estados Unidos da América) e o combate à pandemia de Covid-19.
Hong Kong testemunha a quarta onda de casos de Covid-19, com cerca de 115 infeções confirmadas em apenas um dia. Carrie Lam, a Chefe do Executivo de Hong Kong, deixa clara a intenção do governo de reforçar as medidas restritivas e de impôr sanções mais pesadas a quem não cumprir as regras de distanciamento social. “Depois do que vimos na última onda de infeções, acredito veemente que chegou a hora de sermos mais restritivos”, declarou ao South China Morning Post, avisando também que as próximas duas semanas serão “muito críticas” para contrariar a curva de infeções. “Ainda há espaço para aprimorar a lei e tornar algumas coisas obrigatórias”, adiciona. Como exemplo, Lam citou a atual multa para quem quebra as regras de distanciamento social: “Acho que HK$2,000 (US$258) já não é eficaz”.

A pandemia e a “falta de sorte”
A Chefe do Executivo considerou “falta de sorte” a pandemia ter assolado o território num período de tumulto social e político, causado pela proposta da lei de extradição, em 2019. Lam afirma que a polarização socioplítica, que trouxe falta de confiança no governo e comportamento não conforme, teve impacto no combate à pandemia de Covid-19. “A nossa estratégia (de combate à pandemia) passa por lançar medidas, uma após outra, e ir ajustando à medida que avançamos. Se impões medidas muito restritivas desde o primeiro dia, acabas por te sujeitar a algumas das coisas que estamos a ver na Europa. As pessoas foram para as ruas protestar pelas suas liberdades e direitos…”, explicou.
Sem remorsos
Carrie Lam rejeitou a ideia de ter remorsos pelo seu papel no desencadear da maior agitação política e social desde 1997 – ano em que Hong Kong voltou à soberania da China. A causa foi a proposta de uma lei de extradição, que permitiria a transferência de fugitivos entre Hong Kong e a China Continental. Para muitos, a lei seria alvo de abusos pela China Continental, resultando numa onda de protestos na cidade.

A proposta de lei acabou por ser retirada, mas Pequim interviu, impondo uma ampla lei de segurança nacional que mudou fundamentalmente a cidade, proíbindo atos de subversão, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras – crimes pelos quais ativistas a favor da democracia no território estão a ser presos e processados.
“Não me sinto culpada. Que mal fiz eu? Introduzi uma proposta de legislação por boas razões”, disse Carrie Lam, aludindo à proposta de lei. A única culpa que admite à sua administração foi falhar na comunicação e na explicação da lei, deixando que a narrativa fosse dominada pela oposição. A Chefe do Executivo reitera que “Hong Kong mudou para melhor”. A nova lei de segurança nacional “assegura segurança e proteção”, afirmou ao South China Morning Post.
Carrie Lam acredita que o crescimento das relações de confiança entre Pequim e Hong Kong permitem “melhor integração no desenvolvimento nacional” e “mais oportunidades para a população de Hong Kong, sobretudo para a geração mais jovem”, que “terá um futuro mais promissor”.

Confiança recuperada
O ódio público e o isolamento que experienciou no pico dos protestos antigovernamentais foi duro, mas a Chefe do Executivo diz que emergiu mais confiante dessa situação. “Apenas posso dizer que recuperei a confiança. Depois de passar por um período tão traumático, onde a sociedade afirma que o governo não está a fazer o correto, pessoas e colegas à tua volta te pressionam para fazer coisas que eu não considerava corretas (…) qualquer humano perde alguma confiança, ainda por cima com os ataques pessoais e intimidações que eu e a minha família recebemos”.
Outras preocupações têm sido levantadas, relativamente à independência judicial que Hong Kong goza até ao momento. Pequim tem pedido mais reformas judiciais em Hong Kong. Carrie Lam não vê conflito entre as duas realidades, afirmando que “reforma judicial e independência judicial são conceitos diferentes”. “O judiciário é uma instituição da estrutura política de Hong Kong de acordo com a Lei Básica. Se há espaço para aprimorar qualquer instituição, deve sempre haver reforma”, no entanto, a reforma judicial “não interfere com a indepedência do judiciário”, como consta na Lei Básica, explicou ao South China Morning Post.
Relação com os EUA
Carrie Lam respondeu também a perguntas sobre a relação que os EUA e Hong Kong terão sob a nova administração do presidente-eleito dos EUA, Joe Biden. Na sua opinião, não haverá alterações imediatas, dado o contexto de tensão política e comercial entre a China e os EUA.
Apesar das sanções impostas por Washington à cidade e a si, pelo seu papel na implementação da lei de segurança nacional no território, a Chefe do Executivo mantém-se firme na ideia de colaborar com a comunidade internacional.
“Tentámos encontrar soluções, mas mesmo assim impuseram estas sanções injustificadas. Estão a afetar o comércio da cidade. Estou a tentar encontrar soluções para o dano causado à indústria do transporte marítimo de Hong Kong, que resultou da saída unilateral da administração norte-americana de um acordo bilateral que assinámos”, referiu.

Emigração em massa
A Chefe do Executivo ainda tentou minimizar a tendência dos habitantes de Hong Kong a emigrarem para outros países, no que pode vir a ser a maior escala de emigração desde 1997. “Mesmo que haja mais pessoas a deixar Hong Kong definitivamente, é uma escolha pessoal. Espero que as pessoas possam olhar objetivamente para a situação e se perguntar se é assim que querem ver Hong Kong, ou se querem ver Hong Kong estável, próspera e capaz de seguir em frente?”, perguntou.
Segundo termo como Chefe do Executivo
Lam recusou responder ao South China Morning Post se procuraria um segundo termo como Chefe do Executivo, mas avisou que quem tiver tais ambições, tem um caminho difícil pela frente. “Este é um dos trabalhos mais difíceis para qualquer líder do mundo, em virtude da política de um país, dois sistemas”, reconheceu. “Não consigo pensar em mais nenhum sítio onde um líder tenha responsabilidade dupla. Ele ou ela têm responsabilidade para com a população de Hong Kong e para com o Governo central. Especialmente porque o sistema de Hong Kong é muito diferente do sistema da China continental”, concluiu.