Início Opinião Erika Hilton, Duda Salabert, Linda Brasil e Carol Dartora. Talvez seja bom decorar estes nomes

Erika Hilton, Duda Salabert, Linda Brasil e Carol Dartora. Talvez seja bom decorar estes nomes

Ricardo Oliveira DuarteRicardo Oliveira Duarte*

O domingo que passou foi de eleições no Brasil. Elegeram-se prefeitos (o equivalente aos presidentes de Câmara portugueses), vice-prefeitos e vereadores. Deu-se um regresso ao centro, em vários casos ao “centrão” mesmo, mas também surgiu com uma força inédita uma ala progressista que promete abanar o sistema.

O voto no Brasil é obrigatório. O Mundo vive uma situação de pandemia. Colocados estes dois pressupostos que, imagino, terão sido ponderados por vários brasileiros, parece-me adequado começar a olhar para as eleições municipais de 2020 pela abstenção. Verificou-se o valor mais elevado dos últimos 20 anos em eleições municipais, batendo muito próximo dos 25% (23,14%). No Rio de Janeiro, por exemplo, a abstenção foi maior que a votação que o candidato mais votado obteve. Eduardo Paes (DEM) conseguiu 974.800 votos, enquanto que um milhão e 600 mil cariocas não foram votar. Quando somados, abstenção, votos brancos e nulos o valor salta para muito próximo de um terço (30,6%), ou seja, quase um terço dos brasileiros aptos a votar (147 milhões) não escolheram o seu candidato.  

Resultados

No que diz respeito a prefeituras, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) continuou a ser o partido político brasileiro com maior número de prefeitos (780, com 7 a disputarem ainda um segundo turno, uma segunda volta), mas desceu em relação a 2016 (1044). O PP (Progressistas) subiu e passou a ser a segunda força dominante (686 prefeituras), o PSD também melhorou o resultado e conquistou mais 118 lugares de prefeito do que em 2016 (657). Os dois são membros, em Brasília, do denominado Centrão, partidos de influência muito relevante no Congresso, mas que não registam uma ideologia muito clara. O DEM (Democratas), que apoiou Bolsonaro nas últimas eleições, mas se apresenta como um partido de centro-direita, foi quem mais conseguiu melhorar os resultados em relação às últimas eleições, conquistando mais 195 prefeituras, um crescimento de 73%.

O PT e o PSDB registaram resultados inferiores aos de 2016 e são apontados pela generalidade dos analistas e comentadores brasileiros como os principais derrotados, a par do Presidente, Bolsonaro. No entanto há um dado relevante que convém não perder de vista: em termos de eleitores governados o Partido dos Trabalhadores pode até acabar acima do que conseguiu na última eleição e os tucanos, de João Dória, governador e São Paulo, também podem amenizar a perda nesse sentido. O PT elegeu, até ver, menos 60 prefeitos, mas tem 15 no segundo turno e esses 15 estão a disputar cidades do chamado G96, as 26 capitais e as 70 cidades que têm mais de 200 mil eleitores. Em 2016, o PT elegeu apenas um prefeito nesse grupo de cidades. O PSDB, que elegeu menos 277 prefeitos este ano, tem 13 candidatos no segundo turno, o que pode suavizar um pouco a perda, compensando com o número de eleitores governados.

Jair Bolsonaro saiu, no final de 2019, do partido pelo qual foi eleito Presidente, o PSL, e tentou criar um novo, o Aliança pelo Brasil. Até ao momento não teve sucesso, e por isso não apresentou qualquer candidato nestas eleições. Começou aí um fracasso que ganhou força este domingo. Em lives no Facebook, que acontecem todas as semanas, o Presidente declarou apoio a 45 candidatos a vereador e 13 candidatos a prefeito. Desses apenas 10 se elegeram vereadores e 4 prefeitos. Bolsonaro apoiou publicamente o candidato do Republicanos, Celso Russomano, à prefeitura de São Paulo, que obteve pouco mais de 10% dos votos e ficou em 4º lugar. No domingo ao fim do dia, e perante os primeiros resultados oficiais da eleição, Jair Bolsonaro apagou uma publicação que tinha feito na véspera, sábado, a declarar apoio a vários candidatos.  

No espectro da esquerda, duas figuras acabaram a noite bastante destacadas e na boca de quase todos os analistas como uma espécie de nova força da esquerda, para lá do PT: Guilherme Boulos e Manuela d’Ávila. Ele, do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), conseguiu contrariar boa parte das expectativas e vai disputar o segundo turno com o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Ela, do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que foi candidata nas últimas presidenciais como vice de Fernando Haddad, vai ao segundo turno com Sebastião Melo.     

Mulheres, negras e LGBTQIA+   

No meio de tantos números, de tanto sobe e desce, ganha/não ganha, vários dados começam a vir à tona das notícias, agora que já passaram dois dias das eleições e os que me parecem mais relevantes prendem-se com uma ala política mais progressista, ligada à diversidade, e as mulheres. Mas, na verdade, já antes estas eleições tinham dado um sinal muito positivo, no meu entender, e revelador de mudança: pela primeira vez na história, desde que os dados são contabilizados (desde 2014) o número de candidatos negros foi superior ao de brancos. Convém não esquecer que a maioria da população brasileira é negra. O número de mulheres candidatas também estabeleceu um novo recorde: muito perto de 181 mil candidatas, o que significa 33,1% (tinham sido 31,9% em 2016).

O número de mulheres nas Câmaras (vereadores) do Brasil cresceu mais de 40%. Em São Paulo, por exemplo, a Câmara terá 13 vereadoras, um número histórico, e em Belo Horizonte serão 11, número igualmente nunca antes alcançado. Pela primeira vez, nove capitais de estado registaram mais de 20% de candidatas mulheres.

Na capital do Paraná, Curitiba, pela primeira vez foi eleita uma mulher negra para a Câmara dos Deputados. O nome dela é Carol Dartora, concorreu pelo PT e foi a terceira candidata a vereadora mais votada da cidade. A primeira foi igualmente uma mulher, Indiara Barbosa, do partido NOVO.

Duda Salabert, professora, mulher trans foi a primeira mulher trans a ser eleita vereadora em Belo Horizonte. Mas ela fez mais do que isso, bateu o recorde de votação, passou a ser a vereadora mais votada da história da capital mineira. Em Aracaju, Segipe, a vereadora mais votada também é uma mulher transexual, chamada Linda Brasil. Foi eleita pelo PSOL.

Em São Paulo, cidade que no ano passado liderou o ranking mundial de transfobia, Erika Hilton (PSOL), mulher negra trans e Thammy Miranda (PL), homem branco trans, foram eleitos vereadores. Erika Hilton foi mesmo a mulher mais votada de todas as vereadoras eleitas na capital paulista.     

Todos estes dados não deverão ser desligados, bem pelo contrário, de duas decisões tomadas este ano, uma pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a outra pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto, o TSE, à semelhança do que já tinha sido decidido (em 2018) para as mulheres, decidiu estabelecer que os partidos têm de reservar uma quota do Fundo Eleitoral que lhes é atribuído para candidaturas de negros. “O racismo no Brasil não é fruto apenas de comportamentos individuais pervertidos; é um fenômeno estrutural, institucional e sistêmico. E há toda uma geração, hoje, disposta a enfrentá-lo”, disse Luís Eduardo Barroso, o presidente do TSE, naquele dia 25 de agosto. O tribunal estabeleceu que a medida entrasse em vigor apenas nas eleições de 2022, mas em outubro, o STF decidiu que a medida não deveria esperar e entrar em vigor já neste ato eleitoral.

Erika Hilton, Duda Salabert, Carol Dartora e Thammy Miranda foram financiados sobretudo (Thammy Miranda foi mesmo 100%) por fundos públicos, pelo denominado Fundo Eleitoral. Sem as quotas que destinaram verbas para candidaturas de mulheres e negros muito provavelmente nenhum deles teria sido eleito. E se as regras eleitorais não tivessem estabelecido que é proibido o financiamento por parte de empresas e estabelecido limite para as doações de pessoa física também é muito provável que muito menos mulheres, muito menos pessoas negras e muito menos pessoas LGBTQIA+ teriam sido eleitas. As Câmaras de vereadores e prefeituras seriam muito mais pobres, por serem muito menos plurais. O Brasil teria perdido.

Resta saber o impacto que a entrada destas pessoas na esfera de decisão política terá. Eu só posso acreditar que o Brasil vai ganhar. Muito.    

*Jornalista

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!