Início Sustentibilidade Espécies do mar português “têm sofrido de capturas desenfreadas devido aos mercados asiáticos”

Espécies do mar português “têm sofrido de capturas desenfreadas devido aos mercados asiáticos”

Gonçalo Lobo Pinheiro

O Dia Marítimo Mundial foi celebrado ontem pela Organização Marítima Internacional das Nações Unidas sob o tema “Transporte sustentável para um planeta sustentável”. Adelino Canário, académico de carreira, é o diretor do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve e também o vice-presidente do European Marine Biological Resource Centre, uma infraestrutura europeia de investigação em ciências marinhas. Ao PLATAFORMA, o professor catedrático falou sobre os desafios que se colocam à humanidade sem por em causa a sustentabilidade ambiental e, em particular, a sustentabilidade dos mares.

No meio desta luta contra o aquecimento global e a poluição, nomeadamente os plásticos, onde cabe a chamada Economia Azul?

A economia, incluindo a Economia Azul, tem lugar mas deverá ter lugar numa perspetiva de  neutralidade de carbono e de proteção ambiental.  Esta preocupação está refletida em propostas de entidades internacionais que olham para os oceanos no sentido de construir uma economia sustentável, o que requer um esforço global na sequência da pandemia.

Como podemos ter uma Economia Azul próspera e ao mesmo tempo um avanço tecnológico e civilizacional sustentável?

Uma forma de um fazer é através de um novo olhar que procura conciliar economia com conservação. Aliás, esta é uma necessidade vital, pois a crise ambiental que vivemos coloca em causa a própria sobrevivência da espécie humana. A nova abordagem requer investimentos através de pacotes de estímulo que permitam a transformação da economia actual numa economia sustentável e que permita atingir os objetivos da Agenda para o Desenvolvimento Sutentável 2030, a Convenção para a Biodiversidade Biológica e o Acordo de Paris.

A Universidade do Algarve está disponível para contribuir para a formação, para a investigação científica e para o desenvolvimento económico sustentável de Portugal e dos países da lusofonia, cuja língua e aspetos culturais comuns são um capital de inestimável valor

Como é que Portugal está encarar o futuro onde, obrigatoriamente, os mares são importantíssimos, ainda mais num país com uma zona exclusiva tão extensa?

Portugal participa e é signatário de vários acordos que o obrigam a implementar ações que lhe permitam atingir os objetivos fixados. Um dos instrumentos é a Estratégia Nacional para o Mar, actualmente em revisão. Uma parte do Fundo de Recuperação Europeu, de que Portugal será um dos beneficiários, poderá servir de alavancagem para políticas de investimento sustentável, permitindo transformar a economia e a sociedade portuguesa, para um futuro sem poluição e contribuições neutras para de carbono. Os mares têm aqui uma contribuição importante, como fonte de alimento, energia, bem-estar, e outros produtos. Mas é importante perceber que há limites sobre o que e quanto se deve explorar. Uma das grandes falhas e que nos colocou na posição em que atualmente estamos, foi o não considerar limites, assumir que os recursos são infinitos, o que não é verdade, longe disso.

Como vê posições de políticos com tantas responsabilidades, como por exemplo Donald Trump, quase negacionista no que ao aquecimento global diz respeito?

Por vezes para dar passos em frente, têm de se dar passos atrás ou para o lado, com custos. Espero que percalços, como Trump, Bolsonaro e outros, sejam ultrapassados rapidamente. As crises dos últimos 10 anos têm custos que se irão propagar por gerações. Esperemos que os atrasos na decisão e implementação de acordos internacionais não resultem em prejuízos irreversíveis para a vida no planeta Terra.

Espero que percalços, como Trump, Bolsonaro e outros, sejam ultrapassados rapidamente. As crises dos últimos 10 anos têm custos que se irão propagar por gerações

Como é que se consegue aproximar as pessoas dos oceanos, sem que estes saiam prejudicados. Quais os grandes desafios para os próximos anos?

Para além da decisão e implementação de políticas responsáveis e sustentáveis, um caminhos fundamental é a educação de toda a população, a chamada “literacia dos oceanos”. Os programas de literacia são fundamentais para que as políticas sejam compreendidas e levam ao ativismo esclarecido, com participação da sociedade nas soluções.

Que espécies marinhas estão verdadeiramente ameaçadas naquilo que são os “mares portugueses”?

Temos, por exemplo, algumas espécies de peixes sobreexploradas pela pesca, especialmente espécies de profundidade que têm crescimento lento e baixas taxas de reprodução, algumas espécies de tubarões. Algumas espécies com pouca mobilidade como os cavalos marinhos e os pepinos-do-mar, também têm sofrido de capturas desenfreadas devido ao valor que atingem em mercados asiáticos. A criação de extensas áreas marinhas protegidas procura salvaguardar estas e outras espécies, assim como dos ecossistemas, permitindo a continuação da pesca sustentável.

Os mares têm aqui uma contribuição importante, como fonte de alimento, energia, bem-estar, e outros produtos. Mas é importante perceber que há limites sobre o que e quanto se deve explorar

O que é que a Universidade do Algarve tem feito pelos mares?

A Universidade do Algarve ensina a vários níveis, da licenciatura ao doutoramento, e faz investigação sobre os mares praticamente por todo o mundo. Assim, contribui para criar conhecimento sobre os mares e transmite esse conhecimento a estudantes que irão ser futuros professores, empresários, políticos, etc. A Universidade do Algarve também tem um papel importante no apoio técnico a empresas (por exemplo, pesca e aquacultura), na região no país e internacionalmente, promovendo a economia azul e a conservação dos oceanos. E coopera com outras instituições na procura de soluções sustentáveis para a economia azul.

O mar deveria ser assunto central dos países da lusofonia, já que todos eles, sem exceção, têm contato direto com ele?

Os países devem tirar partido dos recursos que possuem, incluindo os recursos marinhos, para melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, sem colocar em causa a sustentabilidade ambiental. É aqui que a interação entre a política e a ciência pode encontrar as melhores soluções. É importante fomentar este diálogo, não só em relação ao mar, para que as decisões possam ser infomadas e considerando as várias fazes dos problemas. Esta terá de ser uma visão de médio e longo prazo e a Universidade do Algarve está disponível para contribuir para a formação, para a investigação científica e para o desenvolvimento económico sustentável de Portugal e dos países da lusofonia, cuja língua e aspetos culturais comuns são um capital de inestimável valor.

Leia também a entrevista de Álvaro Sardinha sobre Economia Azul ao PLATAFORMA

Leia também a entrevista de João Miguel Dias sobre o nível da água dos mares ao PLATAFORMA

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