Uma mulher corre nua pela beira de uma estrada em Cabo Delgado, Moçambique. Atrás dela, quem nem leões perseguindo a sua presa, quatro homens armados até aos dentes correm ao lado dela. Segundos depois, sons de rajada de metralhadora e um corpo caído. A mulher parou de correr e de gritar. Jaz morta cravejada por 36 balas. Os homens seguem o seu caminho gritando gritos de vitória.
Quem participou nesta matança gravou tudo pela lente de um telemóvel. Ao longo de intermináveis minutos, o telemóvel não treme, não desvia a atenção daquela mulher. Nem no momento em que os tiros entram pelo corpo adentro. A frieza do homem que gravou as imagens é tão chocante quanto as imagens.
A brutalidade das imagens impediu-nos, aqui no Plataforma, de divulgar o vídeo. A brutalidade de ver uma mulher nua e indefesa ser perseguida e cravejada por 36 balas de espingarda e metralhadora não pode, em nenhuma circunstância, ser partilhada. Deve ser, isso sim, investigada e os seus autores exemplarmente punidos. Sejam eles quem forem.
São contingências da guerra, dirão uns, a que acrescentam que todas as guerras têm as suas atrocidades.
Este acto não é guerra. Este assssínio é o espelho de uma total amoralidade. Não tem classificação possível.
São inúmeras as entidades e organizações internacionais que apregoam a proteção dos indefesos. Quero ver o que vão fazer e até onde estão dispostos a ir para encontrar e punir estes carniceiros capazes de cravejar de balas aquela mulher nua e indefesa.
Aquela pobre mulher, flha, irmã, amiga, talvez mãe, morreu na beira de uma estrada em Cabo Delgado e não lhe sabemos o nome. Nem sequer sabemos o seu nome…
Quero chamar-lhe Jamila. Nome africano que significa bonita, elegante.
Jamila morreu cravejada por 36 balas na beira de uma estrada em Cabo Delgado.
Todas as vidas importam, grita o mundo.
A de Jamila também.
*Editora da edição portuguesa do Plataforma