Cerca de um quinto das exportações anuais de soja do Brasil para a União Europeia (UE) está potencialmente ligada à desflorestação ilegal no país, segundo um estudo da Universidade Federal de Minal Gerais, publicado hoje na revista ‘Science’.
O estudo, denominado “As maçãs podres do agronegócio brasileiro”, identificou produtores responsáveis por produzir soja e carne bovina em áreas desflorestadas ilegalmente.
Contudo, o relatório frisou que cerca de 80% dos agricultores do país sul-americano obedecem à lei do Código Florestal, sugerindo que é possível alcançar uma produção agrícola livre de desflorestação, caso as entidades governamentais atuem nesse sentido.
“Até agora, o agronegócio e o Governo brasileiro alegaram que não podiam monitorizar toda a cadeia de abastecimento, nem distinguir a desflorestação legal da ilegal”, disse o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na cidade brasileira de Belo Horizonte, e principal autor do estudo, Raoni Rajão.
“Não mais. Nós usamos gratuitamente mapas e dados disponíveis para revelar os agricultores e pecuaristas que abateram florestas para produzir soja e carne bovina destinadas à Europa. Agora, o Brasil tem as informações necessárias para tomar uma ação rápida e decisiva contra esses infratores, e garantir que as exportações passam a ser livres de desflorestação. Considerar que a situação não tem esperança não é mais uma desculpa”, frisou o especialista.
Os 12 investigadores que redigiram o estudo, provenientes do Brasil, Alemanha e Estados Unidos, desenvolveram um ‘software’ de alta potência para analisar 815.000 propriedades rurais individuais, visando identificar onde a desflorestação ilegal, associada à produção de soja e carne bovina, está a ocorrer, e quanto desses produtos chegam à UE.
O artigo indicou que produtores de 45% das propriedades rurais da Amazónia e 48% do Cerrado, que fornecem soja e carne para exportação, não cumprem os limites de desflorestação estabelecidos no Código Florestal do Brasil.
Aproximadamente 41%, o equivalente a 13,6 milhões de toneladas métricas, da soja que a UE importa a cada ano é proveniente do Brasil. Cerca de 69% é proveniente dos biomas (conjunto de ecossistemas) da Amazónia e do Cerrado.
No que diz respeito à carne bovina, a UE importa cerca de 189.000 toneladas métricas por ano. Os autores descobriram que, de um total de 4,1 milhões de cabeças de gado negociadas em matadouros, pelo menos 500 mil vêm diretamente de propriedades que podem ter desflorestado ilegalmente. Isso representa 2% da carne produzida na Amazónia e 13% no Cerrado.
“Mas o maior problema está nos fornecedores indiretos, que fornecem gado bovino para as operações de engorda e não estão a ser monitorizados por grandes matadouros nem pelo Governo”, relevou o texto.
O estudo responsabilizou ainda o atual Presidente brasileiro pela destruição da Amazónia brasileira, referindo que JAir Bolsonaro “incentivou o corte de florestas em propriedades privadas e terras públicas, desafiando a lei do Código Florestal do Brasil e o acordo de moratória da soja, que proíbe o abate florestal para produção de soja”.
“Atingidas pelos impactos de sinais políticos que incentivam a desflorestação, principalmente para apropriação de terras, as florestas brasileiras estão num ponto de rutura”, argumentou o professor Britaldo Soares-Filho, coautor do estudo.
“É fundamental que a Europa use o seu poder de compra para ajudar a reverter este trágico desmantelamento da proteção ambiental do Brasil, que tem implicações no clima global, na população local e nos serviços ecossistémicos do país. Com estes estudo, finalmente os legisladores de Bruxelas dispõem das informações necessárias para avaliar a extensão do problema nos setores de soja e carne bovina do Brasil. É hora de agirem”, apelou.
No mês passado, o Brasil registou o maior número de alertas de desflorestação na Amazónia para junho desde o início da sua série histórica, iniciada em 2015, com 1.034,4 quilómetros quadrados devastados.
No acumulado do primeiro semestre do ano, os alertas dão conta da desflorestação de 3.069,57 quilómetros quadrados da Amazónia, um aumento de 25% em comparação com os primeiros seis meses de 2019.