Artistas timorenses criticaram hoje a proposta do Governo de entregar a uma estrutura de veteranos o edifício que desde 2003 serve de ‘casa’ ao projeto Arte Moris, a primeira grande iniciativa artística de Timor-Leste desde a restauração da independência.
“Não podemos desistir deste espaço. Não temos outra opção”, disse à Lusa Iliwatu Danadere, diretor da Arte Moris, organização que congrega na comunidade entre 60 e 70 artistas.
“Ficamos surpreendidos com a notícia e queremos ainda falar com o Governo e com os veteranos para perceber o que se passa”, referiu.
Danadere regia a comentários do presidente do Conselho dos Combatentes da Libertação Nacional (CCLN), Vidal de Jesus Riak Leman, que na segunda-feira disse ter sido informado pelo primeiro-ministro timorende sobre a decisão de entregar o edifício da Arte Morris, em Díli, a esta nova estrutura, criada em 2019.
“Tivemos garantia do primeiro-ministro de que foi decidido que o Conselho vai trabalhar na Arte Moris em Comoro”, afirmou Riak Leman aos jornalistas.
“As condições no edifício não são boas e o Conselho pediu ao Estado que fale com o grupo para que mude de local para que possa ser usado pelo Conselho”, disse.
A notícia foi fortemente contestada nas redes sociais, com vários artistas e elementos de organizações da sociedade civil a criticarem a falta de apoio ao setor das artes e em particular esta decisão sobre o espaço da Arte Moris.
“É preciso diálogo. Ninguém falou connosco. Mas não podemos perder este espaço, porque não temos outro”, referiu.
Danadere explicou que atualmente a Arte Moris envolve mais de 32 artistas plásticos e músicos, incluindo alguns dos elementos dos principais grupos musicais do país – como o Galaxy ou o Klamar – e ainda uma pequena companhia de teatro.
“São entre 60 e 70 pessoas. Temos aulas diárias e apesar de algumas limitações devido à covid-19, estamos ativos”, afirmou.
“As instalações estão sob dependência da Secretaria de Estado das Artes e Cultura. Temos que perceber a sua posição e com base nisso faremos outras ações”, explicou.
Depois da restauração da independência de Timor-Leste, em 2002, a Arte Moris representou o primeiro grande esforço para tentar reunir artistas timorenses, criando uma comunidade, escola de artes e centro cultural que se instalou no espaço do antigo museu indonésio da 27.ª província (como Jacarta considerava Timor-Leste).
A placa da inauguração em 1995 pelo então vice-presidente indonésio Try Sutrisno, é hoje mais um espaço para uma das muitas instalações exteriores, onde restos de carros, de mobílias ou ferro-velho são cartão-de-visita para um centro que já completou 17 anos.
Um espaço que pretendia ir além da arte, contribuindo para a reconstrução social de um país devastado por décadas de conflito e onde tudo era limitado, inclusive a expressão artística.
Um dos artistas do grupo inicial é Edson Caminha, artista plástico e músico, viola baixo nos Galaxy (um dos grupos mais famosos dos últimos anos).
“O Governo tem que reconhecer que a arte faz parte da nação, que há muitas pessoas, muitos jovens envolvidos na criação artística”, defendeu à Lusa.
“E a arte também contribui para a nação, também pode contribuir ainda mais o país. Não concordo com esta decisão do Governo”, disse.
Edson Caminha considera que o Governo deve procurar outro local e que, acima de tudo, se deve dialogar com a comunidade artística, que precisa de mais apoio, não de menos.
“Somos uma comunidade e vamos apoiar-nos. O que está em causa aqui não é apenas a Arte Moris, mas sim toda a comunidade artística”, afirmou.
“Os artistas precisam de um espaço, de uma ‘casa’ onde possam trabalhar”, disse.