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Agora a culpa é do vison?

Paula Freitas Ferreira

Cientistas acreditam que um trabalhador possa ter sido infetado por uma marta (ou vison) numa quinta na Holanda. Será o primeiro caso comprovado de transmissão do vírus de um animal para um ser humano?

Circunstâncias excecionais estarão na origem da pandemia que atingiu o mundo inteiro e já infetou mais de cinco milhões de pessoas. É muito raro que um vírus de um animal passe a chamada barreira interespécie – que salte de um animal para outro e ainda mais raro é infetar depois um ser humano. Mas é precisamente essa hipótese que tem sido apontada como a mais provável para explicar a origem do SARS-CoV-2, que terá surgido algures no final do ano passado, num mercado de animais selvagens, em Wuhan, na China.

Esta “anormalidade” tem estado na origem de muitas teorias da conspiração – como a de o vírus poder ter sido fabricado num laboratório – e explica a razão pela qual, no que diz respeito à covid-19, ainda existem mais perguntas do que respostas.

Agora, o caso de um trabalhador de uma quinta de criação de visons (martas) na Holanda trouxe ainda mais incógnitas à complicada equação que representa o novo coronavírus. Os cientistas acreditam que o trabalhador foi infetado por um dos animais, o que tornaria este o primeiro caso identificado de transmissão direta do vírus de um animal para um ser humano, e não através do consumo do animal pelo Homem.

Os investigadores baseiam-se na sequência do genoma do vírus de ambos – homem e marta – que é muito semelhante.

O El País – que avança a história – cita o Ministério da Agricultura holandês que no Congresso afirmou que o perigo de contágio generalizado entre a população é mínimo, porque o vírus não foi detetado no ar analisado fora das instalações da quinta, onde os animais são criados para as suas peles serem usadas na indústria de vestuário.

Furões suscetíveis ao vírus

Este surto de covid-19 em quintas de martas holandesas traz ainda outra novidade: é a primeira vez que se detetam casos de infeções nesta espécie. No entanto, não é uma surpresa: os cientistas já usaram furões – que pertencem à mesma família das martas, a dos mustelídeos – como cobaias para testarem a suscetibilidade destes animais à infeção por covid-19.

O trabalhador da Holanda ficou doente já depois de terem sido detetados casos de infeção entre os animais da quinta. Já está curado e só apresentou sintomas leves da doença.

“Provavelmente, neste caso concreto, trata-se do contágio direto de animal para ser humano, porque as sequências do genoma do vírus de ambos são quase idênticas”, diz Wim van der Poel, investigador no Centro de Pesquisa Bioveterinária da Universidade de Wageningen (WBVR, na sigla em inglês).

“Para estarmos completamente seguros, teríamos que fazer o mesmo, sequenciar o código genético do vírus, com amostras extraídas de todas as pessoas que trabalham e têm relação com a quinta e que ficaram doentes. Mas acho que há poucas possibilidades de encontrar outro parecido. Nos outros casos, o contágio mais provável foi de ser humano para o vison [marta]”, assume Van der Poel.

morcego, pangolim, ou nada disto?

Alguns especialistas, como o zoólogo norte-americano Peter Daszak, avançaram desde o início da epidemia que o novo coronavírus pudesse ter saltado de morcegos para os animais de uma quinta e que estes pudessem ter sido levados, já infetados, para o mercado de Wuhan – que vende animais selvagens ainda vivos.

A organização presidida por Daszak, a EcoHealth Alliance, que investiga as doenças que têm origem na fauna selvagem, já descobrira, em 2018, um coronavírus que saltou dos morcegos para os porcos, e que provocou um surto de diarreia que matou quase 25.000 leitões em quatro quintas da província chinesa de Guangdong. Mas esse vírus, batizado de SADS-CoV, nunca passou dos porcos para os seres humanos.

A descoberta de um vírus semelhante em 91 por cento ao SARS-CoV-2 nos pangolins alimentou a hipótese de que o novo coronavírus usou este animal de língua comprida como um intermediário para infetar seres humanos, uma teoria que recentemente sofreu um revés.

Uma equipa de investigadores da China analisou os genomas de coronavírus, tanto do pangolim como do SARS-CoV-2, e diz não haver evidência de que o animal foi o hospedeiro intermediário, apesar das semelhanças verificadas.

“No nível genómico, o SARS-CoV-2 estava geneticamente mais próximo do coronavírus do morcego do que do pangolim”, escrevem os investigadores no estudo, segundo a ScienceAlert.

Ficam muitas incógnitas no ar, admitem, mas apesar de não darem como certo que os pangolins foram os hospedeiros do SARS-CoV-2, os cientistas apontam que é quase certo que exista coronavírus a circular noutros animais e deixam o aviso: “Minimizar a exposição dos seres humanos à vida selvagem será importante para reduzir os riscos de transmissão de coronavírus dos animais selvagens para os seres humanos.” 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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